quarta-feira, 11 de abril de 2012

Gangorra política e as coisas às avessas


Israel Souza[1]

 Gangorra política

A FPA apequena a “oposição” para crescer sobre ela. O “outro” tem que ficar por baixo para que o “um” fique por cima. Tal como numa gangorra. Os representantes daquela coalizão realçam os avanços dos governos petistas. E, num tom de quase-terror, perguntam se queremos “retroceder”, “voltar ao tempo em que o crime organizado mandava no estado”, “em que o salário do funcionalismo público atrasava” e os “desmandos políticos” imperavam.
Quem bem observou percebeu que nas últimas eleições foi assim. Ao bom observador também não deve ter fugido o fato de a FPA usar a palavra “oposição” como um termo fetiche, que, sejamos francos, mais obscurece do que ilumina as coisas.
Na verdade, “oposição” e FPA (“situação”) não representam blocos monolíticos, contendo um todas as virtudes e o outro, todos os vícios. São, isto sim, grupos políticos flexíveis e com patentes tensões internas[2]. Dependendo dos acordos ou desacordos, os indivíduos transitam entre um e outro sem pudores, sem preocupações maiores com programas de governo ou ideologias.
Petecão (PSD) e Fernando Melo (PMDB), antes situação, agora são oposição. César Messias e Narciso Mendes, antes oposição, agora são situação. Embora continuem os mesmos homens, agora são apreciados segundo o grupo político a que aderiram. Sinteticamente: nem a oposição nem a FPA de ontem são as mesmas de hoje.

As coisas às avessas

Durante bom tempo, apequenar a oposição rendeu bons e abundantes frutos à situação. O desgaste político da oposição era tão grande que ser ligado a ela era - em grande medida - ser associado a tudo de quanto ela era acusada. Tivesse culpa ou não o indivíduo.
Doutra banda, as esperanças que a FPA encarnava eram tão grandes, tão bem sucedida ela em seus primeiros anos de governo[3], que ser associado a ela permitia - também aqui em grande medida - gozar de tudo quanto ela inspirava.
Hoje, as coisas caminham de modo diferente. Como dissemos em textos anteriores, o projeto de “desenvolvimento sustentável” esbarrou em seus limites. Suas contradições estão expostas. As figuras maiores da FPA, benquistas para além das fronteiras da coalizão, perderam popularidade. As esperanças empalideceram. A frustração e a indignação ganharam corpo.
Declinando em legitimidade e popularidade a FPA, já não é de todo bom ser associado a ela. Quase toda semana há denúncias ou casos polêmicos envolvendo-a. Nas últimas semanas, quatro casos de grande monta tomaram conta dos meios de comunicação alternativos, onde a influência do governo é menor.
O primeiro foi a proposição de novo referendo para decidir sobre a hora oficial do Acre (ver aqui). O segundo foi o caso envolvendo Irailton (ver aqui). O terceiro foi o TCE ter aprovado as contas do Estado, mesmo tendo, dentre outras coisas, dezenas de passagens áreas “inexplicáveis” (ver aqui). E, por último, o “jogo da solidariedade”.
Comenta-se que o governo se negou a receber os donativos recolhidos pelo jogo, dizendo não serem mais necessários. O resultado foi catastrófico para o governo. Popó e Romário, ícones do esporte brasileiro e mundial, não lhe pouparam críticas. Em pouco tempo, o vídeo em que Popó critica duramente o governo do estado teve mais de setenta mil acessos.
Reagindo, o governo montou verdadeira operação, não para evitar os estragos, mas para diminuí-los ao máximo. A militância petista organizou um “Ato de Desagravo”. A base dos deputados aliados manifestou-se na Assembleia Legislativa do Acre. O governador deu entrevistas. Em uma delas, apareceu com a Bíblia e lamentou os “ataques” de que era alvo.
Para a oposição, o resultado não poderia ter sido melhor. Especialmente para Petecão, que colheu todos os louros possíveis. Já manifestamos em texto outro o que pensamos de Petecão (ver Eleições 2010: um olhar a partir “dos de baixo”). Mas convém reiterar a fim de explicitar as implicações políticas do que estamos a discutir.
Símbolo maior da velha política clientelista no Acre, Petecão chegou a senador como candidato de projeto nenhum. Fanfarronice. Foi o que ele muito fez nas propagandas eleitorais. Em certo sentido, ele é “nosso Tiririca”. Para evitar interpretações equívocas: com isso estamos querendo dizer que, longe de uma alternativa, sua eleição expressa insatisfação e cansaço com o que está posto.
Há anos na vida pública, inclusive ocupando cargos importantes como forte apoiador do grupo político que hoje ele critica, que marca Petecão deixará na política? Ele que se afirma “filho da 6 de Agosto”, que disse do fato de a polícia, sob as ordens de Tião Viana, ter jogado bombas de efeito moral e atirado balas de borracha em moradores do bairro? Que fez ou faz ele em relação a essa barbárie?
Promover o “jogo da solidariedade” no Acre foi, muito provavelmente, o que de mais inteligente ele fez em sua vida pública. Conseguiu conjugar num só ato duas coisas boas: a ajuda aos atingidos pela “alagação” e a vinda de personalidades demasiado queridas de nosso esporte.
O fato de o governo não ter recebido os donativos do jogo apenas robusteceu os ganhos de Petecão. Este saiu do episódio como generoso, ponderado e perseguido. Heroi e vítima ao mesmo tempo. Por seu turno, o governo saiu como intolerante, omisso e perseguidor.
Então, no momento, as coisas se nos aparecem às avessas. A oposição se engrandece em virtude do auto-apequenamento da situação, enquanto esta se afunda num atoleiro de denúncias e trapalhadas sem fim. O “um” se rebaixa, elevando no mesmo movimento o “outro”. Tal como numa gangorra.
De seu lado, Perpétua (PC do B) ensaia um distanciamento estratégico[4] da FPA. Foi assim no caso da hora oficial do estado e no “jogo da solidariedade”, ao qual a deputada compareceu. Algo inteligente de sua parte já que, na atual conjuntura, ser associado à situação tem lá seus inconvenientes. Caso o barco afunde...



[1] Cientista Social, Membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO) e do Movimento Anticapitalista Amazônico (MACA).
[2] Para dar apenas dois exemplos. A abortada pré-candidatura de Perpétua à prefeitura da capital acriana mostrou isso no seio da FPA. No seio da oposição, vimos isso na articulação daquele grupo que foi chamado de “nova oposição” (ver aqui). Ainda que não vá adiante o movimento, ele foi suficiente para, no âmbito da oposição, tornar visíveis duas coisas: 1) a despreocupação em amadurecer - ou mesmo a ausência de - um projeto de governo e 2) a desesperada pressa em dividir espólios de um adversário ainda não vencido.
[3] Bem sucedida, sobretudo, em termos de popularidade. O que corresponde, basicamente, aos governos de Jorge Viana. Mais destacadamente ao primeiro de seus governos: 1999-2002.
[4] Esse distanciamento estratégico tem permitido à Perpétua tirar proveito mesmo de suas “derrotas”. Conquanto não tenha saído como candidata à prefeitura de Rio Branco, propor-se como pré-candidata, além de desgastar a FPA, serviu para consolidar sua fama - significativa em setores para além das fronteiras da coalizão a que hoje ela pertence - de mulher de fibra, com opiniões próprias, que sequer se submete aos intentos dos irmãos Vianas.


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