Resultado
de uma tese de doutorado defendida em fevereiro de 2003 na Universidade Federal
do Rio de Janeiro, o livro pode ser considerado um divisor de águas no debate
regional sobre sustentabilidade.
A
ideologia do desenvolvimento sustentável passou a ser confrontada no Acre de
forma contundente com os “dados da realidade”, segundo o autor,
"reveladores da persistência estrutural de um estilo de
desenvolvimento cronicamente insustentável".
O
professor afirma que tem havido brutal reconcentração da propriedade das terras
de domínio privado no Acre e que as linhas de crédito oficiais, bem como os
programas de investimento mais expressivos no Estado, servem para mostrar como
se articulam as economias que denomina de "marrom" e
"verde" na espoliação da região.
-
As duas atividades mais predatórias, pecuária extensiva de corte e exploração
madeireira, triplicaram em apenas uma década. O rebanho bovino passou de 800
mil cabeças para 3 milhões e a exploração madeireira de 300 mil metros cúbicos
por ano para mais de 1 milhão de metros cúbicos por ano. Somente nas áreas
exploradas com os tais planos de manejo florestal sustentável foram mais de 755
mil metros cúbicos de madeira em tora – acrescenta Elder de Paula.
Terra
de Marina Silva e do líder sindical e ambientalista Chico Mendes, assassinado
em dezembro de 1988, o Acre ganhou projeção como uma espécie de laboratório do
movimento socioambiental. As políticas públicas nesse sentido foram
batizadas de florestania, expressão usada no objetivo de promover cidadania adaptada
à floresta.
Para
o professor, a florestania é interpretada como uma estratégia de legitimação da
ideologia do desenvolvimento sustentável.
-
O aparato de propaganda governamental buscou imprimir uma marca regional
a algo absolutamente estranho a ela – a ideologia do desenvolvimentos
sustentável. Na atualidade seria mais apropriado usar a expressão florestaria,
isto é, floresta para as serrarias – critica o pesquisador, que tem pós
doutorado em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidad Nacional Autónoma
de México e coordena o núcleo de pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento
na Amazônia Ocidental, na Ufac.
Veja
a entrevista exclusiva de Elder Andrade de Paula ao Blog da Amazônia:
A edição digital de seu livro foi ampliada?
Não,
por acreditar que tal como está, hoje mais do que antes, contribui para
compreender o que denominamos como desenvolvimento insustentável. Parafraseando
o excelente filme do diretor francês Bertran Tavernier, diria que
contribui para entender “quando tudo começa”. A conclusão de que se trata de um
(des) envolvimento insustentável pode ser sintetizada em três constatações
reveladas pela pesquisa.
Quais?
O
Acre continua na condição de mero fornecedor de matéria-prima para indústrias
forâneas. Agora, diferentemente dos dois períodos de monoextrativismo da
borracha, marcado pelo genocídio contra povos indígenas e semi-escravização da
força de trabalho indígena e de migrantes pobres nordestinos, as florestas
também estão sendo destruídas. Elas dão lugar às pastagens para pecuária
extensiva de corte ou para extração madeireira dita “sustentável”. Ambas
atividades são as que mais cresceram no Acre nas duas últimas décadas e figuram
como as mais destrutivas também na Amazônia. Permanece a reconcentração da propriedade
fundiária e da renda e reiteração das causas de empobrecimento e exploração da
maioria da população. Continua o controle oligárquico do aparato estatal e da
apropriação para fins privados dos bens públicos. Autoritarismo próximo do que
caracteriza governos autocráticos, clientelismo, assistencialismo e cooptação
das representações dos “de baixo” assegura o exercício da dominação política.
Esse é o resumo do Acre atual?
A
realidade efetiva das coisas como elas são tem sido ocultada por uma intensa propaganda
que visa construir para fora e para dentro uma imagem oposta: a de que tudo
está mudando. É inevitável a lembrança da célebre frase do aristocrata italiano
Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “É preciso que as coisas mudem para que
permaneçam como estão”. Assim, em lugar de um “rio que comanda a vida” ,
como escreveu Leandro Tocantins, reportando-se à formação social acreana, agora
vivemos num tempo em que a imagem comanda a vida. A imagem construída de
“modelo de desenvolvimentos sustentável” a ser replicado tem sido
cuidadosamente construída por um monumental aparato de marketing.
Qual a matriz disso?
Em
linhas gerais, o arcabouço político-institucional subjacente a esse
"modelo" resultou das imposições do Banco Mundial. No essencial, esse
re-ordenamento institucional amplia a privatização do Estado e dos bens
naturais para fins de adaptação ao novo ciclo de mercantilização da natureza.
As condições políticas que permitiram a realização dessas adaptações resultam
da confluência de três elementos fortemente articulados: re-articulação do
bloco de poder estadual sob a direção de frações das velhas e novas
oligarquias; assimilação subordinada dos movimentos sociais a esse bloco de
poder através do que Antonio Gramsci denominou como “transformismo”; e
adesão subordinada à matriz neoliberal e aos agentes nacionais e
internacionais que a fomentam na forma de financiamentos e investimentos.
A despeito de tudo isso, você disse que o livro não apresenta uma
conclusão pessimista.
Ao
contrário, reitera a confiança na capacidade criativa dos “de baixo” no sentido
de retomarem para si a responsabilidade de mudar o jogo da
mercantilização da natureza que destrói os territórios e os povos que neles
vivem.
O que tem sido feito nesse sentido?
Você
deve lembrar do “Faça do Acre a sua floresta”, como foi denominado um evento
promovido pelo governo do Acre durante a “Rio+20”, em junho de 2012. Durante
aquele evento um grupo de ativistas do Acre distribuiu o “Dossiê: O Acre que os
mercadores da natureza escondem”. Estampamos também em uma das faixas a frase
"As madeireiras já fazem do Acre a sua floresta". Diria que aquele
documento é um “posfácio coletivo” de meu livro.
O Acre foi um dos primeiros estados a adotar um Zoneamento
Ecológico Econômico. Isso é exemplar?
O
tipo de re-configuração territorial materializada via Zoneamento Ecológico
Econômico no Acre preparou literalmente o terreno para entregar de mão beijada
as florestas do Estado para o saque das empresas madeireiras. Ele segue
rigorosamente o padrão instituído na Amazônia continental para fins de
adaptação ao desenvolvimento sustentável. Com o ZEE, procura-se propagandear
os avanços na área ambiental representados pela criação das unidades de
conservação de domínio público. Todavia, oculta a cereja do bolo. A apropriação
dos bens naturais nelas existentes está destinada à apropriação privada por
meio da exploração madeireira, biodiversidade e serviços ambientais. Os povos
indígenas e comunidades camponesas que vivem nessas unidades de conservação vêm
sofrendo fortes pressões oriundas desse novo ciclo de espoliação, como revelam
os dados mais recentes mostrados pela Comissão Pastoral da Terra nas duas
últimas edições dos Cadernos de Conflitos no Campo.
O que é marcante nesses anos de apogeu do suposto desenvolvimento
sustentável no Acre?
O
que vimos foi uma brutal reconcentração da propriedade das terras de domínio
privado. Em 2010, 583 grandes propriedades (imóveis com área superior a mil
hectares) detinham 6,2 milhões de hectares, enquanto 23,5 mil minifúndios e
pequenas propriedades (imóveis com área inferior ou igual a um módulo rural,
que no Acre varia de 50 a 100 hectares), somavam apenas 1,4 milhões de
hectares. Em apenas sete anos, a grande propriedade teve um incremento de mais
de 100% na sua área total. É necessário assinalar que, em 2003, possuía 2,8
milhões de hectares. As linhas de crédito oficiais bem como os programas de
investimento mais expressivos em curso no Acre, mostram como se articulam as
economias que chamo de marrom e verde na espoliação desse território. As duas atividades
mais predatórias, pecuária extensiva de corte e exploração madeireira,
triplicaram em apenas uma década. O rebanho bovino passou de 800 mil cabeças
para 3 milhões e a exploração madeireira de 300 mil metros cúbicos por ano para
mais de 1 milhão de metros cúbicos por ano. Somente nas áreas exploradas com os
tais planos de manejo florestal sustentável foram mais de 755 mil metros
cúbicos de madeira em tora.
E o desmatamento?
O
desmatamento também aumentou no Acre. Passou de 5,3 mil quilômetros quadrados,
entre 1988 e 1998, conforme dados do governo do Acre, para 7,3 mil quilômetros
na década seguinte.
Mas temos planos de manejo florestal sustentável. Isso não é
positivo?
Devemos
levar em conta o aumento da degradação oculta produzida pelos planos de manejo
florestal sustentável. De acordo com os dados do Instituto de Meio Ambiente do
Acre, o Estado possui cerca de 6 milhões de hectares de florestas nativas
potencialmente aptas para suprimento industrial, dos quais, mais de 960 mil já
contam com planos de manejo, em áreas públicas, privadas e comunitárias.
Isso tem resultado na geração de emprego e renda para a população?
Não,
de modo algum. O resultado de tudo isso se traduz no aumento da degradação
ambiental, da concentração de rendas e agravamento da pobreza. De acordo com o
censo demográfico de 2010, do IBGE, 66,2% dos domicílios recebem até um salário
mínimo mensal e 2,9% situam-se numa faixa superior aos cinco salários mínimos.
O Índice de Gini, usado mundialmente para medir desigualdade, foi 0,5314 em
2009 no Brasil e também na região amazônica. A desigualdade manteve-se estável
na região desde 1990. O Acre apresentou a maior desigualdade da região (Índice
de Gini = 0,61) e a segunda maior do Brasil, atrás apenas do Distrito Federal.
O seu livro pode não ser pessimista, mas esse entrevista é ao
tratar de desenvolvimento sustentável, que se convencionou chamar, no Acre, de
"florestania"
Em
dois excelentes trabalhos acadêmicos, a monografia “Reformas do Estado e
discurso florestânico no governo da Frente Popular do Acre”, de autoria de
Israel Souza, e a tese de doutorado “Acreanidade: invenção e reinvenção da
identidade acreana”, da professora Maria de Jesus Morais, o uso da expressão
florestania é interpretado como estratégia de legitimação da ideologia do
desenvolvimento sustentável. Com ele, o aparato de propaganda
governamental buscou imprimir uma marca regional a algo absolutamente
estranho a ela: a ideologia do desenvolvimentos sustentável. Diria que hoje
seria mais apropriado usar a expressão "florestaria", isto é,
floresta para as serrarias.
Fonte: Blog da Amazônia
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