segunda-feira, 28 de maio de 2012

Governo contra os índios no Acre

Israel Souza[1]

Semana passada, o deputado Eduardo Faria (PC do B) promoveu uma audiência pública para tratar da criação de um conselho que lutasse para promover igualdade racial.

O encontro foi na Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC). Muitos se fizeram presentes. Entre eles, pessoas envolvidas com a capoeira, líderes do movimento negro, adeptos de religiões de raiz africana e os indígenas.

Há vários dias acampados na FUNAI, e depois de uma peregrinação infrutífera por Brasília, os indígenas levaram para o evento suas reivindicações. Uma liderança indígena disse ser boa a proposta de criação do conselho. Mas, dizia, “com tantas leis garantindo nossos direitos, por que eles não são respeitados”. Outro, relatando o descaso com a saúde indígena no Acre, disse que “todo boi nesse estado é vacinado e os índios não têm o mesmo direito”.

O deputado Moisés Diniz (PC do B), líder do governo na ALEAC, não gostou do que ouviu. Sem argumentos e razão, restou a ele o recurso da provocação. Numa postura que ficou entre o esdrúxulo e o lamentável, o deputado chamou a um de seus interlocutores de “garotão” e a outra de “garota”. Disse ainda que, se os índios quisessem, ele estaria ao lado deles. Que se quisessem, juntos, eles iriam “começar agora a luta”.

O deputado deve se achar muita coisa e desconsiderar, por completo, os índios. Como começar agora uma luta que, pelos menos no governo da Frente Popular do Acre (FPA), já se arrasta por mais de uma década?

As autoridades governamentais se esmeram em sublinhar a responsabilidade da FUNAI, querendo livrar o governo estadual de suas responsabilidades. Mas é preciso dizer que o que está acontecendo na FUNAI é o resultado de uma política consciente do governo da FPA.

Por um lado, a omissão. Isso explica o descaso com a saúde e a educação indígenas. De igual modo, explica a inação do governo quanto a tomar providências a fim de proteger as terras indígenas invadidas por madeireiros e fazendeiros.

A omissão se conjuga com ação. Os governos da FPA vêm, um após o outro, obstaculizando a demarcação das terras indígenas. É assim porque, sabedor dos bens naturais que estas terras encerram, o governo tem mais liberdade para explorá-las, mesmo que a exploração não seja da vontade dos índios e resulte em malefícios para eles.

Não é de estranhar, portanto, que se discutam as políticas de Redd e Pagamento por Serviços Ambientais em terras indígenas. Atender as reivindicações indígenas não pode. Levar a eles uma pauta estranha pode. Reconhecer os direitos dos índios sobre seus territórios não pode. Trazer políticas que podem resultar em domínio de um estranho sobre esses territórios pode.

Nesse sentido, é preciso reconhecer que a situação dos índios acrianos - desses que são maioria e que não foram cooptados pelo governo - é culpa não apenas da FUNAI e sua direção. Certamente, esses têm seu quinhão de culpa. Mas a maior parte, a quase totalidade, é do governo estadual. E dada a centralidade das terras indígenas para as políticas mercantilistas-ambientais que o atual governo implementa, é possível dizer que o desafio dos povos originários é muito maior que o dos negros.

Não é fácil, mas é possível ao governo estadual se lançar numa empresa a fim de alcançar a igualdade entre “brancos” e “negros”. Mas, envolvendo as terras indígenas e seus bens naturais, o mesmo não se pode esperar no que toca aos índios. Estes não terão seus problemas resolvidos por nenhum conselho (por mais bem intencionado que este seja) nem por nenhum decreto.

Da mesma forma que o governo estadual só pode implementar suas políticas mercantilistas-ambientais contra os povos originários (e contra os povos da floresta em geral), estes só terão seus direitos reconhecidos contra o governo.   


[1] Cientista Social e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental - NUPESDAO. E-mail: israelpolitica@gmail.com


Comentário de Lindomar Padilha:

Caro Israel,

Faço minhas estas suas palavras. Neste exato momento estamos vivenciando uma situação vergonhosa para todos nós diante do que está posto aos povos indígenas. A FUNAI, ao invés de se alegrar por ter possibilitado ou ajudado os indígenas a conquistarem parte de seus direitos, ela se alegra de ter ganhado uma ação na justiça contra os povos indígenas.

Fico muito triste ao ver que a situação chegou a este ponto. Ponto de a FUNAI comemorar a derrota, ainda que parcial, dos índios. A derrota dos povos indígenas é a derrota de todos nós. Sinal de que o poder e o lucro a qualquer preço continuam festejando por sobre os cadáveres que eles mesmos geram. "Haverá um novo dia. Que o amanhecer nos encontre sorridentes, festejando a nossa liberdade."

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