domingo, 17 de junho de 2012

Dossië - o Acre que os mercadores da natureza escondem

APRESENTAÇÃO

A “Rio+20” colocou no centro das atenções a defesa de uma “economia verde”, apresentada como “única alternativa” para minimizar as “mudanças climáticas” e combater a pobreza no mundo. Para efeito de convencimento, o dito discurso precisa ter referências materiais. Em razão disso, experiências tidas como exitosas na promoção do “desenvolvimento sustentável” e da “economia verde” hão de ocupar lugar de destaque nessa Conferência das Nações Unidas.
Nesse sentido, o estado do Acre - situado na Amazônia brasileira - será utilizado como uma dessas referências materiais. A experiência acriana é reputada como primor de harmonia entre desenvolvimento econômico e preservação da floresta e do modo de vida de seus habitantes. Mas, efetivamente, quais os efeitos sociopolíticos, econômicos e ambientais dessa experiência? Em que sentido ela pode ser encarada como modelo para o Brasil e para outros territórios do mundo? Que interesses sustentam tal proposição? O que se esconde atrás da imagem verde do Acre?
Em novembro do ano passado, um documento intitulado “Carta do Acre” foi elaborado no estado por representantes de trinta organizações da “sociedade civil”. O documento trouxe, pela primeira vez, uma crítica radical da “sociedade civil” à política governamental, revelando abertamente práticas de destruição ambiental e repressão social, apontando os interesses capitalistas que de fato dominam esta política e rejeitando a mercantilização da natureza que ela em última consequência promove.
A “Carta do Acre” surtiu fortes reações por parte de instituições ligadas ao governo do estado. Organizações que haviam assinado o documento, posteriormente, foram pressionadas a retirar sua assinatura. Não obstante, um grupo - composto por pesquisadores, ativistas e trabalhadores extrativistas - ousou levar adiante as críticas, levantar mais detalhadamente os fatos que contradizem a “sustentabilidade” e a “participação social” reivindicadas pelos governantes do seu estado. Esta ousadia se expressa e concretiza no presente Dossiê: “O Acre que os Mecantilizadores da Natureza E$condem”.
Nestas páginas se desnuda o jogo de interesses que impulsiona a construção discursiva de uma determinada “identidade” do povo acriano que estaria agora, segundo dizem as vozes oficiais, se auto-realizando por meio da “economia verde”. Os cinco textos complementares e a entrevista com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri Dercy Teles, que compõem este Dossiê, trazem também contundentes detalhes da vida dentro das florestas acrianas, das represálias que seus moradores sofrem por parte de órgãos ambientais, do sofrimento de comunidades indígenas, quase impotentes para denunciar a invasão de suas terras e os descaso s de saúde e educação nas suas comunidades.
O Dossiê trata, ainda, das condições históricas que possibilitaram a consolidação da experiência acriana no contexto da geopolítica ambiental da ONU, do Banco Mundial e de ONGs gigantes; de como e com que interesses forjaram a imagem de um Chico Mendes supostamente “patrono da economia verde”; e de como a tutelagem dos “povos da floresta” viabiliza a implementação dos ambiciosos planos de manejo madeireiro, e facilita o comércio de carbono e de “serviços ambientais”, gerando lucros para empresas e ONGs.
Cônscio dos danosos impactos sociais e ambientais, dos perigos à democracia que a experiência acriana encerra, verá o leitor que o “esverdeamento da economia” tem resultado na multiplicação dos conflitos territoriais, no aumento da degradação ambiental, da concentração de rendas e na reprodução ampliada da pobreza.
Observadas de perto as coisas, ver-se-á que o verde das propagandas é insuficiente para ocultar o cinza da realidade. O fracasso social e o despotismo da experiência acriana são provados pelo fato de que, nas paragens acrianas, conjuga-se, sempre, o “falar manso” com o “uso do porrete”. Quem tem ouvidos ouça, vaticina-nos a “verdade efetiva das coisas”: “ao contrário de ser tomado como exemplo a ser seguido, o estado do Acre deve servir como ALERTA contra a espoliação representada pela ‘economia verde’”.
Fruto de reflexão militante e de militância reflexiva. Inspirado na mais firme convicção de que, tanto ou mais que interpretar o mundo, o que vale mesmo é transformá-lo. Assim “O Acre que os Mecantilizadores da Natureza E$condem”. Por isso, em certo sentido, é possível entender o presente Dossiê como um convite à Iconoclastia. Iconoclastia que, nesses dias em que o capital - o ídolo da morte - é idolatrado em sua versão dita “sustentável”, é irmã da vida. A esperança que o move é aquela que nasce e se alimenta dos sonhos e das lutas daqueles que são sacrificados em seu altar. Iconoclastia, sonhos de libertação, sonhos sonhados em cordão e de “olhos abertos”.

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