É de estado de
exceção que estamos falando!
Este
livro foi composto, maiormente, a partir de textos publicados em sites e blogs os mais diversos. Todos foram elaborados no intuito de
compreender a conjuntura política de nossos dias e de intervir nos debates e
nos processos que ora se desenrolam.
Uns
são de maior fôlego e outros, nem tanto. Pequenos, estes são quase-crônicas. Abordam
acontecimentos relativamente ordinários e pontuais, colocando-os, porém, sob enfoque
interpretativo mais amplo. Formam assim, em seu conjunto, uma reflexão que se
desdobra no tempo, passo a passo.
Alguns permanecem tais como
foram escritos inicialmente. Outros foram modificados. Mas optei por deixar uns
e outros de forma tal que expressassem, da maneira mais viva e fiel, a
impressão dos dias em que foram escritos, com seus limites, angústias e
esperanças.
Um pé na academia e outro na rua
Outrossim, optei por manter o
formato simples que alguns desses textos tinham quando de sua publicação em
blogs e sites, espaços em que os rigores das “normas técnicas” são dispensáveis
sem prejuízo para a cientificidade que eles encerram. O intuito disso é facilitar
o entendimento dos não versados na ciência que, por ventura ou desventura,
deitem os olhos sobre estas linhas.
A esta altura, sinto-me
tentado a dizer de meus textos aquilo que o poeta português disse de seus
versos:
Da
mais alta janela da minha casa
Com
um lenço branco digo adeus
Aos
meus versos que partem para a humanidade.
(...)
Esse
é o destino dos versos.
Escrevi-os
e devo mostrá-los a todos
Porque
não posso fazer o contrário
Como
a flor não pode esconder a cor,
Nem
o rio esconder que corre,
Nem
a árvore esconder que dá fruto.
(...)
Quem
sabe quem os lerá?
Quem
sabe a que mãos irão?
Flor,
colheu-me o destino para os olhos.
Árvore,
arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio,
o destino da minha água era não ficar em mim.
(...)
Ide,
ide de mim!
Como Alberto Caeiro
(heterônimo de Fernando Pessoa) neste poema a respeito de seus versos, também
eu não sei a que mãos irão meus textos. Todavia, bem sei a quem pretendo por
leitores.
É sem embargo que afirmo que
este livro tem um pé na academia e outro na rua. Com ele, pretendo alcançar
mais que o público da academia. Pretendo dar conhecer também aos “leigos” parte
de nossas pesquisas e lutas.
Nesse intento, sigo duas
máximas. A do “carpinteiro de Nazaré”, que diz que “Ninguém acende uma lâmpada
para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, onde
ela brilha para todos os que estão em casa” (Mt 5: 15). Sigo também a máxima de
Gramsci, para quem:
Criar uma nova cultura não significa
apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e
sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por
assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento
de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de
homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade
presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a
descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que
permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.
Como
se pode notar, as duas máximas vêm de duas tradições que se mesclam (nem sempre
de modo harmonioso) em minha formação: o cristianismo (em sua(s) vertente(s)
libertária(s)) e o marxismo.
Daí, sem muita dificuldade,
pode já o leitor entender a composição do livro que ora tem em mãos. A primeira
parte, Cristianismo e política, traz
um texto que faz uma análise da relação dos evangélicos com a política e outro
que faz uma análise política da atuação da Igreja Católica ao longo de quase um
século. Ainda nessa parte, há dois outros textos, de caráter mais
teórico-metodológico.
A segunda parte, Democracia no Acre: notícias de uma
ausência, reúne uma série de textos que tratam de temas os mais diversos,
como ambientalismo e geopolítica, movimento indígena, conselhos populares,
dívida pública, eleições, correlação de forças etc...
Uma reflexão
militante
A “assepsia intelectual” não
me encanta e a covardia não me serve de guia. Por isso, em vão se buscará nestas
páginas a ingênua ou hipócrita pretensão de “neutralidade” e “imparcialidade”.
Todos os textos aqui compilados
são a mais pura expressão de uma reflexão militante, inquieta, que não teme
assumir posições e responsabilidades. Estão a serviço da emancipação dos
oprimidos e explorados, “para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”
(Jo 10: 10).
Aos que reputam essa
“parcialidade” como coisa de menoscabo para a reflexão, digo, espírito
desarmado, que isso assumo conscientemente. Em verdade, de certa forma, todos
estão de algum lado. À direita, à esquerda ou ao centro, que é a fronteira
avançada da direita e a zona onde os desertores da esquerda usam folhas de parreira
para esconder sua rendição à direita. A terceira via nunca foi mais que o fruto
da confraternização que direitistas e ex-esquerdistas fazem a expensas “dos de
baixo”.
Numa realidade social
marcada pela luta de classes, pela opressão e exploração de uns poucos sobre
muitos, não há muro em que os indiferentes e covardes, servindo-se dele tal como
de um poleiro, possam acomodar-se em cima. Nesse sentido, forçoso é estar de um
lado. Todos estão. Venturoso é saber e poder orgulhar-se de que lado se está.
Nem todos sabem, bem poucos podem.
Para
uma realidade caleidoscópica, uma abordagem também ela caleidoscópica, com uma
linha interpretativa bem definida a dar-lhe desenho. Com efeito, é a partir da
perspectiva “dos de baixo” e movido por uma profunda preocupação com a democracia
que os diversos temas aqui amealhados são tratados politicamente. Esta é a
linha que, costurando-os, dá vida, unidade e coesão ao livro.
Pretendendo
interpretar e contribuir para a positiva transformação da realidade social,
nada me pareceu mais apropriado que tratar da democracia. Valendo-me amplamente
dos ensinos de Gramsci e conjugando autores clássicos (como Aristóteles e
Rousseau) e contemporâneos (como Atílio Boron, Ellen M. Wood, Mészáros,
Domenico Losurdo), aqui a democracia é entendida em amplo sentido.
A
desigualdade social reinante, a corrupção e a falta de transparência, a
prevalência dos interesses das oligarquias em detrimento dos interesses dos de
baixo, o nepotismo, a restrita liberdade de imprensa e expressão, a cooptação
de sindicatos e movimentos sociais, o crescente endividamento do Estado e a
ingerência de organismos estrangeiros nas políticas adotadas localmente, a
privatização das florestas e a consequente expropriação das comunidades locais,
o desrespeito à vontade popular manifesta nas ruas e nas urnas, o uso
sistemático, repetido e crescente da coerção etc., impuseram-me a conclusão de
que hoje, no Acre, a democracia não se faz notar senão por sua ausência.
Notícias
de uma ausência... Ausência de democracia... Para ser claro: é de estado de
exceção que estamos falando!
Quando a FPA assume o governo,
representa, aos olhos de muitos, uma alternativa verdadeiramente democrática.
Ela conta com significativo apoio popular e goza de ampla legitimidade.
Entretanto, em razão dos projetos, sujeitos e interesses que ela acolhe, acaba
por perder parte considerável desse apoio.
Para muitos, fica claro que
seu projeto longe estava de ser popular. Sua legitimidade entra em “declínio relativo”
e, na luta pela manutenção do poder, os mecanismos consensuais começam a ceder
espaço aos mecanismos coercitivos. Há uma hipertrofia do Executivo, e a
democracia passa a ser continuamente violentada mesmo em seus aspectos mais
formais. O “estado de exceção”, com todos os seus excessos, se explicita!
E é assim que o conceito de
hegemonia de Gramsci serve não apenas para analisar a ausência de democracia no
Acre, mas também o “estado de exceção” a que estamos submetidos. Então já as
portas estão abertas a Walter Benjamin e Giorgio Agamben.
Não
protesto nem a primeira nem a última palavra sobre o assunto tratado. Não diria,
desavisada e arrogantemente, que quem quiser entender a política de nossos dias
deverá passar por essas páginas. Mas digo, convictamente, que quem por elas
passar não o terá feito em vão. Colherá algumas pistas de interpretação e umas
tantas provocações. E mais não digo.
Agora que calo, a palavra
fica com o leitor e com a história.
Ide, ide de mim!
[1] Vale observar que todos os textos e este prefácio já estavam concluídos, quando Jorge Viana defende a aprovação de uma “legislação antiterrorista” e ocorre a cheia do Rio Madeira. Além de nos indicarem que nossas reflexões estavam no caminho certo, tais fatos levaram-nos a escrever os textos Do Acre para o Brasil, o arauto do “estado de exceção” (aqui consta simplesmente como O arauto do “estado de exceção”) e A cheia do Madeira e algumas verdades sobre o Acre, que fecham este livro. Eis que a história mostra, desnudos, o despotismo e o fracasso do modelo de desenvolvimento apontados ao longo destas páginas.
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O livro estará à venda no evento. Mas também pode ser adquirido aqui
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