sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Palestras e lançamento do livro Democracia no Acre: notícias de uma ausência

Eis a apresentação do livro:

É de estado de exceção que estamos falando!

            Este livro foi composto, maiormente, a partir de textos publicados em sites e blogs os mais diversos. Todos foram elaborados no intuito de compreender a conjuntura política de nossos dias e de intervir nos debates e nos processos que ora se desenrolam.
            Uns são de maior fôlego e outros, nem tanto. Pequenos, estes são quase-crônicas. Abordam acontecimentos relativamente ordinários e pontuais, colocando-os, porém, sob enfoque interpretativo mais amplo. Formam assim, em seu conjunto, uma reflexão que se desdobra no tempo, passo a passo.
Alguns permanecem tais como foram escritos inicialmente. Outros foram modificados. Mas optei por deixar uns e outros de forma tal que expressassem, da maneira mais viva e fiel, a impressão dos dias em que foram escritos, com seus limites, angústias e esperanças.

Um pé na academia e outro na rua

Outrossim, optei por manter o formato simples que alguns desses textos tinham quando de sua publicação em blogs e sites, espaços em que os rigores das “normas técnicas” são dispensáveis sem prejuízo para a cientificidade que eles encerram. O intuito disso é facilitar o entendimento dos não versados na ciência que, por ventura ou desventura, deitem os olhos sobre estas linhas.
A esta altura, sinto-me tentado a dizer de meus textos aquilo que o poeta português disse de seus versos:

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.

(...)
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

(...)
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
(...)
Ide, ide de mim!

Como Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) neste poema a respeito de seus versos, também eu não sei a que mãos irão meus textos. Todavia, bem sei a quem pretendo por leitores.
É sem embargo que afirmo que este livro tem um pé na academia e outro na rua. Com ele, pretendo alcançar mais que o público da academia. Pretendo dar conhecer também aos “leigos” parte de nossas pesquisas e lutas.
Nesse intento, sigo duas máximas. A do “carpinteiro de Nazaré”, que diz que “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa” (Mt 5: 15). Sigo também a máxima de Gramsci, para quem:

Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.
 
            Como se pode notar, as duas máximas vêm de duas tradições que se mesclam (nem sempre de modo harmonioso) em minha formação: o cristianismo (em sua(s) vertente(s) libertária(s)) e o marxismo.
Daí, sem muita dificuldade, pode já o leitor entender a composição do livro que ora tem em mãos. A primeira parte, Cristianismo e política, traz um texto que faz uma análise da relação dos evangélicos com a política e outro que faz uma análise política da atuação da Igreja Católica ao longo de quase um século. Ainda nessa parte, há dois outros textos, de caráter mais teórico-metodológico.
A segunda parte, Democracia no Acre: notícias de uma ausência, reúne uma série de textos que tratam de temas os mais diversos, como ambientalismo e geopolítica, movimento indígena, conselhos populares, dívida pública, eleições, correlação de forças etc...    

Uma reflexão militante

A “assepsia intelectual” não me encanta e a covardia não me serve de guia. Por isso, em vão se buscará nestas páginas a ingênua ou hipócrita pretensão de “neutralidade” e “imparcialidade”.
Todos os textos aqui compilados são a mais pura expressão de uma reflexão militante, inquieta, que não teme assumir posições e responsabilidades. Estão a serviço da emancipação dos oprimidos e explorados, “para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10: 10).
Aos que reputam essa “parcialidade” como coisa de menoscabo para a reflexão, digo, espírito desarmado, que isso assumo conscientemente. Em verdade, de certa forma, todos estão de algum lado. À direita, à esquerda ou ao centro, que é a fronteira avançada da direita e a zona onde os desertores da esquerda usam folhas de parreira para esconder sua rendição à direita. A terceira via nunca foi mais que o fruto da confraternização que direitistas e ex-esquerdistas fazem a expensas “dos de baixo”.
Numa realidade social marcada pela luta de classes, pela opressão e exploração de uns poucos sobre muitos, não há muro em que os indiferentes e covardes, servindo-se dele tal como de um poleiro, possam acomodar-se em cima. Nesse sentido, forçoso é estar de um lado. Todos estão. Venturoso é saber e poder orgulhar-se de que lado se está. Nem todos sabem, bem poucos podem.
            Para uma realidade caleidoscópica, uma abordagem também ela caleidoscópica, com uma linha interpretativa bem definida a dar-lhe desenho. Com efeito, é a partir da perspectiva “dos de baixo” e movido por uma profunda preocupação com a democracia que os diversos temas aqui amealhados são tratados politicamente. Esta é a linha que, costurando-os, dá vida, unidade e coesão ao livro.

Hegemonia em declínio... ausência de democracia... “estado de exceção”[1]

            Pretendendo interpretar e contribuir para a positiva transformação da realidade social, nada me pareceu mais apropriado que tratar da democracia. Valendo-me amplamente dos ensinos de Gramsci e conjugando autores clássicos (como Aristóteles e Rousseau) e contemporâneos (como Atílio Boron, Ellen M. Wood, Mészáros, Domenico Losurdo), aqui a democracia é entendida em amplo sentido.
            A desigualdade social reinante, a corrupção e a falta de transparência, a prevalência dos interesses das oligarquias em detrimento dos interesses dos de baixo, o nepotismo, a restrita liberdade de imprensa e expressão, a cooptação de sindicatos e movimentos sociais, o crescente endividamento do Estado e a ingerência de organismos estrangeiros nas políticas adotadas localmente, a privatização das florestas e a consequente expropriação das comunidades locais, o desrespeito à vontade popular manifesta nas ruas e nas urnas, o uso sistemático, repetido e crescente da coerção etc., impuseram-me a conclusão de que hoje, no Acre, a democracia não se faz notar senão por sua ausência.   
            Notícias de uma ausência... Ausência de democracia... Para ser claro: é de estado de exceção que estamos falando!
Quando a FPA assume o governo, representa, aos olhos de muitos, uma alternativa verdadeiramente democrática. Ela conta com significativo apoio popular e goza de ampla legitimidade. Entretanto, em razão dos projetos, sujeitos e interesses que ela acolhe, acaba por perder parte considerável desse apoio.
Para muitos, fica claro que seu projeto longe estava de ser popular. Sua legitimidade entra em “declínio relativo” e, na luta pela manutenção do poder, os mecanismos consensuais começam a ceder espaço aos mecanismos coercitivos. Há uma hipertrofia do Executivo, e a democracia passa a ser continuamente violentada mesmo em seus aspectos mais formais. O “estado de exceção”, com todos os seus excessos, se explicita!
E é assim que o conceito de hegemonia de Gramsci serve não apenas para analisar a ausência de democracia no Acre, mas também o “estado de exceção” a que estamos submetidos. Então já as portas estão abertas a Walter Benjamin e Giorgio Agamben.       
            Não protesto nem a primeira nem a última palavra sobre o assunto tratado. Não diria, desavisada e arrogantemente, que quem quiser entender a política de nossos dias deverá passar por essas páginas. Mas digo, convictamente, que quem por elas passar não o terá feito em vão. Colherá algumas pistas de interpretação e umas tantas provocações. E mais não digo.
Agora que calo, a palavra fica com o leitor e com a história.
Ide, ide de mim!

[1] Vale observar que todos os textos e este prefácio já estavam concluídos, quando Jorge Viana defende a aprovação de uma “legislação antiterrorista” e ocorre a cheia do Rio Madeira. Além de nos indicarem que nossas reflexões estavam no caminho certo, tais fatos levaram-nos a escrever os textos Do Acre para o Brasil, o arauto do “estado de exceção” (aqui consta simplesmente como O arauto do “estado de exceção”) e A cheia do Madeira e algumas verdades sobre o Acre, que fecham este livro. Eis que a história mostra, desnudos, o despotismo e o fracasso do modelo de desenvolvimento apontados ao longo destas páginas.   

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O livro estará à venda no evento. Mas também pode ser adquirido aqui

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