quinta-feira, 19 de março de 2015

O mundo é um moinho...

Israel Souza[1]
            Depois das manifestações do último dia 15/03/15, o governo seguiu o roteiro de sempre, isto é, continuou minimizando a importância dos protestos. Afirmou que quem foi para as ruas foram os eleitores de Aécio, e não os de Dilma; que era a classe média (como compareceu muita gente, ficou difícil falar apenas da elite); que a Globo havia orquestrado e alimentado tudo; que manifestação era coisa natural da democracia; que havia valido a pena ter lutado pela democracia; que a CIA estava por trás das manifestações e coisas assim.
          Em tudo isso, pode ter um pouco de verdade. Um pouco. Mas, positivamente, não altera em nada a realidade. Ao contrário. De lá pra cá, as ações do governo mostram o quanto ele está aparvalhado com os protestos contrários e o quanto ele não está sabendo aproveitar os protestos favoráveis a ele. Prova disso é a clássica alegação da necessidade dos ajustes.
          Dilma e o PT ganharam nas urnas. Porém, todo o cenário que vemos no Brasil nos últimos meses mostra que a disputa política transbordou o calendário eleitoral e, que das urnas, migrou para as ruas. E, houvesse ou não um milhão de pessoas na Avenida Paulista, a verdade é que mais pessoas, por motivos diversos, saíram às ruas para manifestar sua insatisfação com o governo do que para defendê-lo. O PT está perdendo a disputa política nas ruas, um território historicamente seu.
         E o pior ainda pode estar por vir. As medidas e as propostas de ajustes de Dilma decepcionaram muitos de seus eleitores (Não à toa, sua impopularidade está na casa dos 62% e sua popularidade apenas em 13%). Ainda assim, o grosso de seus eleitores não se sentiu estimulado a participar de manifestações contra o governo, para sorte dela.
       Todavia, se o governo não corrigir o rumo e não acenar positivamente para seus eleitores e para aqueles que ainda ousam sair em sua defesa, estará apenas engrossando as fileiras oposicionistas e desperdiçando seu precioso capital político. Dessa forma empurrará para as ruas uns tantos que, mesmo insatisfeitos, não ousaram sair. E, por outro lado, tirará o ânimo daqueles que, mesmo discordando de algumas políticas do governo, ousaram sair às ruas em sua defesa. Com isso, é lícito considerar o risco de que sua impopularidade se transforme em indignação aberta e ativa. Então, a Avenida Paulista será pequena para tanta insatisfação.
         A saída de Cid Gomes do Ministério da Educação, da forma que se deu e pelos motivos que se deu, põe em relevo as dificuldades que Dilma enfrenta no Congresso e do quanto ela está refém do PMDB, este partido amigo-inimigo seu.
        Mais que nunca, é preciso escolher um lado. E, nas escolhas que o governo vem fazendo, faltam-lhe coragem, inteligência e autocrítica. Infelizmente, na atual crise, não é apenas o governo petista que está ameaçado de cair. Também nossa incompleta e frágil democracia corre esse risco.
          Vale ainda frisar que o Clube dos Militares lançou uma nota em que critica o governo e elogia as manifestações do dia 15. Dizia a nota que os militares estavam vigilantes ao destino do país e que não iam permitir que transformassem o Brasil numa Venezuela.
        Se tivesse que escolher uma trilha sonora para o atual momento do governo Dilma, escolheria o “Mundo é um moinho”, do grande Cartola. A canção é linda e triste, e é dela que tomo o título desse texto.

O mundo é um moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

[1] Cientista social, Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO).

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