Michael F. Schmidlehner
Enquanto os
governantes dos 196 países signatários comemoram o Acordo de Paris[1],
organizações da sociedade civil que acompanharam a COP 21 veem o resultado
desta conferência como grande fracasso. O representante de Amigos da Terra
Internacional, Asad Rehman descreve a situação assim[2]:
“O navio colidiu com o iceberg e está afundando. A banda toca e ainda recebe
calorosos aplausos de nosso lideres políticos. Para os pobres, os lugares nos
botes salva-vida estão negados.”
Quais são
realmente os principais retrocessos neste novo acordo climático? Em primeiro
lugar, a ideia inicial para construção de um regime global de redução de emissões – de partir das
medidas necessárias para mitigar a crise climática para depois definir as
contribuições de cada país – foi descartada. Ao invés desta abordagem de cima
para baixo, foi adotado uma abordagem de baixo para cima: cada parte apresentou
suas Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDCs, na sua sigla
em inglês) para fundamentar o acordo. Esta abordagem, originalmente proposta
pelos Estados Unidos facilitou a adesão de muitos países, uma vez que não
tinham que assumir compromissos fortes, mas apenas formular e assinar suas
próprias pretensões. Os países industrializadas consequentemente não se
comprometeram com cortes de emissões substanciais. A União Europeia por
exemplo, promete a redução de 20% até
2020 em comparação com os níveis de 1990. De fato a Europa hoje já atingiu esta
meta, ou seja, se comprometeu com nada até 2020 em termos de reduções. O acordo
fala em manter o aquecimento abaixo de 2°C ou possivelmente 1,5°C. Entretanto,
as medidas prometidas pelos 196 países – se cumpridas - conduzem a um aquecimento de 3°C até 2100.
Em termos de
financiamento, os países pretendem mobilizar 100 bilhões de dólares por ano a
partir de 2020 para mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. Este
montante, que em primeiro momento pode aparecer muito, certamente não será
suficiente para obter resultados significativos. Comparando estes 100 bilhões
com as 29 trilhões que foram mobilizados para o resgate da crise financeira em
2008 causada pelos bancos, fica evidente que os governos não possuem a real
ambição para confrontar a crise climática.
Os grandes
prejudicados da COP-21 são os povos do sul global. Estes povos não causaram a
crise, mas levarão a maior parte de seus impactos. Por isso os países do sul
haviam proposto nas últimas COPs um mecanismo para lidar com perdas e danos
causados pela mudança do clima, tais como eventos climáticos extremos ou subida
do nível do mar. Esta proposta, amplamente discutida desde 2013 foi
completamente retirado do texto, sob pressão dos Estados Unidos e da União
Europeia.
Os povos das
florestas ainda serão fortemente atingidos pelo mecanismo de Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), que será implementado
em conformidade com artigo quinto
do Acordo de Paris. O REDD, por ser
extremamente questionável, tanto em seus aspectos técnicos quanto éticos, não
havia sido adotado no anterior Protocolo de Kyoto. Mesmo assim, em nível
sub-nacional, o REDD já começou a ser implementado na Amazônia sem ter respaldo
legal e político do Governo Federal. O Governo do Acre destacou-se neste contexto,
após ter adotado em 2010 uma lei especifica (Lei 2.308 do SISA) para facilitar
REDD, e por ter assinado um acordo com o Governo da Califórnia, visando a
comercialização de créditos de carbono para indústrias californianas que
desejam compensar suas excessivas emissões, ao invés de reduzi-las. Poucos dias
antes da conferência em Paris, o Governo Federal publicou o Decrteto 8.576 que
praticamente veta a comercialização direta de créditos de carbono para fora do
país a partir de estados ou sub-regiões. Com isso, o Governo Brasileiro põe
limites à privatização da Amazônia através do comércio de carbono, e aos
interesses do Governo Estados Unidos sobre esta região. Não obstante, o REDD –
sendo agora uma estratégia nacional[3]
e um mecanismo reconhecido pela convenção climática – causará severas
consequências para os povos da floresta. A tendencia de criminalização dos
povos da floresta pelos órgãos federais ambientais como ICMBio deve aumentar
neste novo contexto, e com isso insegurança alimentar e êxodo rural.
O Brasil, tanto
quanto a maioria dos outros países continuarão extraindo combustíveis fosseis,
inclusive desenvolvendo e implementando tecnologias cada vez mais agressivas e
perigosas, como perfuração de petróleo em águas profundas, fracking (gas de xisto)
ou exploração de de petróleo a partir dos chamadas areias betuminosas. A queima
dos combustíveis poderá ser em grande parte “compensada” pelos países por meio
do REDD, transformando as florestas em vigiados sumidouros de carbono.
Enquanto alguns
poucos lucram com este grande faz de conta, as temperaturas em nosso planeta
continuarão subindo. Resta a questão: qual será o próximo roteiro da ONU,
quando – talvez daqui há alguns anos – o fracasso do Acordo de Paris se tornará
evidente para a população? A nova estratégia será provavelmente definida pelo
grande “vencedor” da conferência de Paris, os Estados Unidos. Apos terem
primeiramente boicotado a ONU-Convenção do Clima e em seguida esvaziado-a de
conteúdo, os EUA agora começam a
liderar o processo por dentro da
convenção. No seu discurso para o povo
americano após a COP 21, presidente Obama enfatiza[4]
o novo papel dos Estados unidos como líder global em combater a mudança
climática. Bem alinhado com os interesses corporativos do seu país, o Secretário
de Estado John Kerry, deixou claro durante a conferência sua posição, dizendo[5]
que a redução de emissões nos Estados Unidos não salvará o planeta, mas que a
maior responsabilidade em termos de redução seria dos países em
desenvolvimento. Mas o que ainda mais chama a atenção são suas considerações
finais após fechamento do Acordo de Paris. Nesta fala, Kerry diz[6]:
“Estamos literalmente enviando uma mensagem crucial para o mercado mundial.
Muitos de nos aqui sabem que as decisões não serão dos governos, que não serão
eles que vão descobrir o produto, a graça salvadora para este desafio. Será o
gênio do espírito americano, serão negócios desencadeados , porque 196 países
dizem em única voz para o negocio mundial, que devemos ir nesta direção. E o
próximo grande produto virá ,que vai mudar nossas vidas. “
O que vem nos
sendo anunciado aqui neste tom sinistro e profético? De que “próximo grande produto” Kerry está
falando? Sabemos, que desde alguns
décadas, uma serie de tecnologias denominados Geoengenharia vem sendo
desenvolvidos, principalmente nos EUA.
Geoengenharia significa intervenções intencionais em larga escala para
manipular o clima. As principais delas
se baseiam no Gerenciamento de Radiação Solar (SRM, na sigla em inglês) e na
Remoção de Dióxido de Carbono (CDR, na sigla em inglês). O SRM visa refletir
raios solares, por exemplo por inserção de grandes quantidades de aerossol ou
nanopartículas na atmosfera. Uma tecnologia CDR, por exemplo, arrasta carbono
para o fundo do oceano por meio de micro-algas. Estas intervenções são
extremamente perigosas tendo efeitos imprevisíveis e possivelmente
catastróficas, e é provavelmente por isso, que ainda não vem sendo discutidas
publicamente. Entretanto, sua
implementação se torna mais provável na medida em que a redução de
emissões por parte dos países industrializados não ocorre. A alusão de Kerry à uma solução da crise por
uma grande inovação tecnológica expressa o
tecno fundamentalismo como atitude característica do governo
estadunidense. Assim como terminaram a segunda guerra mundial com a bomba
atômica, agora a crise climática deve
encontrar sua solução numa outra grande invenção do “gênio do espirito
americano”. Além dos riscos para a vida
na terra, a implementação de algum tipo de geoengenharia significaria uma
concentração de poder sem precedentes na mão dos proprietários desta
tecnologia.
O que ainda pode
nos salvar destes cenários horrorosos é unicamente a ampla mobilização da
sociedade, a resistência contra as falsas soluções do clima e a rejeição do
paradigma tecnocrático capitalista. Precisamos uma revolução, que não visa
mudar o clima, mas o sistema como todo. Em seu recente livro[7]
, a jornalista canadense Naomi Klein propõe que enxergamos a crise climática
como um toque de alerta, uma poderosa mensagem na linguagem de incêndios,
inundações, tempestades e secas. Confrontando esta crise já não significa
trocar as lâmpadas para economizar energia, diz ela. Trata-se de mudar o mundo,
antes que o mundo muda tão drasticamente que ninguém está a salvo. Ou damos
este salto, ou afundamos.
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