Introdução
O cenário de crise econômico-política
que atravessamos é marcado, sobremodo, pela disputa entre dois grandes grupos políticos
e suas respectivas concepções, a saber, o petismo
e o antipetismo. Cada um, a seu modo
e em contraposição ao outro, se apresenta como saída para a atual crise.
Na contramão do que alegam esses
grupos, o presente texto procura salientar alguns dos pontos com os quais cada
um deles contribui para o acirramento da crise. Sublinhando a partidarização do atual cenário, o texto
mostra alguns dos efeitos dessas disputas políticas.
1) De um lado, confere aos
grupos uma importância que, de fato, não têm, dando a impressão de que os
problemas econômico-políticos que atravessamos poderiam ser resolvidos
simplesmente optando por um ou outro, através do voto. 2) Ao mesmo tempo, as
disputas que travam entre si obscurecem o sólido consenso que há entre eles em
torno da política econômica pró-capital, deixando-o (o consenso) na sombra e
dando assim ainda mais solidez a ele.
Por fim, 3) a serviço das
classes dominantes e de seu projeto neoliberal, essas disputas fortalecem a
tendência de fascistização da
política, perigo que, em medida variável, vem de ambos os grupos.
4) Em cenário como esse,
política e democracia quedam-se enfraquecidas, empobrecidas, castradas em suas
formas, conteúdos e alcances. Por isso, aponta o texto, assistimos a um
processo em que política e democracia vão sendo, paulatinamente, reduzidas a
votos e eleições. E isso ocorre exatamente num momento em que votos e eleições
são afetados em seu já diminuto poder de influência.
O conjunto de tudo o que aqui
é discutido obstrui os caminhos de superação da atual crise. A compreensão e a
superação desta conjuntura de miséria política que vivemos dependem de
superarmos o maniqueísmo, árido e perigoso, em que petismo e antipetismo nos
meteram, buscando superar o sistema que enseja e alimenta a crise.
Petismo
e antipetismo
O
termo petismo pode enganar, dando a impressão de que se trata de algo
exclusivamente vinculado ao PT. Mas não é isso. Encaixam-se aí também todos os
partidos que com ele se aliam. Além de partidos, o petismo envolve ainda sujeitos
simples, movimentos, organizações, sindicatos, blogs, sites e etc., que o
sustentam: intelectuais, artistas, Brasil247, UNE, CUT, MST, MTST etc.
O mesmo vale para o
antipetismo. Com efeito, petismo e antipetismo representam grupos e concepções
políticas. Nem todos os adeptos desses grupos tomam parte ativamente neles, de
forma militante e consciente. Por vezes, tomam parte passivamente,
inconscientemente[2],
compartilhando com eles apenas a concepção. E é desse modo que os compõem e fortalecem.
Em
traços gerais, a marca mais relevante do petismo é a defesa acrítica do PT, de
seu governo, políticas e figuras, expressando uma espécie de sacralização do partido e de tudo o que
é vinculado a ele. Isto, por outro lado, leva a uma demonização de seus críticos e adversários, num corte
inelutavelmente maniqueísta.
Em razão disso, há entre os adeptos
desse grupo a tendência a tratar toda crítica contundente - por mais justa e
fundamentada que seja - como se fora “apologia da direita”, “utopia” (em
sentido pejorativo), “romantismo”, “falta de realismo”, “esquerdismo
inconsequente”, “radical”, “fascista”, etc. Não é raro vermos adeptos do
petismo, quando reconhecem que seu crítico não se posta à direita, tratá-lo
como representante de uma “esquerda radical”, que, por não entender
adequadamente as circunstâncias, “divide a esquerda” e, assim, trabalha para o
triunfo da direita.
Tratado com desdém ou hostilidade
- e até com violência -, o crítico não é para ser ouvido, levado a sério, e sim
para ser combatido. Por força de tal compreensão, a possibilidade de
autocrítica foi praticamente anulada ou, no mínimo, teve sua força limitada,
figurando, em muitos casos, apenas como um jogo que tem tanto de cênico quanto
de cínico. A defesa, mesmo dos erros do petismo, e, sobretudo, nos momentos
difíceis, passou a ser prioridade e questão de vida ou morte[3].
Sintomático disso é que nem
mesmo o impedimento de Dilma abriu espaço para uma autocrítica sincera e
consequente, capaz de ocasionar uma reorientação, uma mudança de rumo.
Com efeito, partidários do
petismo insistem em dizer que ela caiu por favorecer os pobres e por não querer
barrar as investigações da Lava jato. Nesta perspectiva, em que a autocrítica
não se faz notar senão por sua ausência, Dilma teria caído unicamente por suas
virtudes morais.
Não se pode negar que haja uma
fração de verdade nisso. Os áudios de Romero Jucá que foram divulgados o
atestam. Não se pode desconsiderar, porém, que a ex-presidente (juntamente com
todos os que estavam junto dela) traiu seus eleitores, que fez ouvidos moucos
aos clamores vindos das ruas, preferindo, antes, fazer concessões vergonhosas e
perigosas ao Congresso, em geral, e ao PMDB, em particular.
Olhando as coisas com esse
distanciamento, fica patente que suas virtudes morais não são inatacáveis como
querem seus partidários, e que, ao longo de todo o processo que culminou em sua
queda, sua inabilidade política pesou decididamente. Confiou nos inconfiáveis.
Desprezou quem verdadeiramente poderia sustentá-la.
Neste exato sentido, a virtú do petismo (emblematizada na
figura e no governo de Dilma) não corresponde nem ao sentido tradicional de
virtude nem àquele postulado por Maquiavel. Ou seja, não é nem ilibada nem representa
a capacidade de distinguir como agir da maneira mais acertada conforme as
variadas circunstâncias, com o apoio do povo e em favor do povo[4].
Por
seu turno, marca do antipetismo é a hostilidade acrítica a tudo o que é
vinculado de forma justa ou injusta ao petismo, da corrupção às políticas
sociais. Como o petismo (em menor medida), seu “adversário” também é marcado por
certo ódio, desaguando, por vezes, no masoquismo. Consideráveis setores
subalternos que tomam parte no antipetismo aceitam e defendem ativamente
sacrifícios, da parte de outros e de si mesmos, desde que estes se lhes pareçam
necessários para combater o petismo e extirpar seu legado.
Nem o apoio ativo nem a
passividade diante das contrarreformas tocadas por Temer seriam compreensíveis sem
isso[5]. Vê-se, com clareza, que
não se trata de defender outro partido (PSDB ou PMDB) ou grupo partidário. Não
necessariamente. Tampouco é a defesa de um cardosismo,
temerismo ou coisa que o valha.
Trata-se, isto sim, de antipetismo cuja força ideológica, como denota seu nome,
não está em si, em sua afirmação. Está, antes, na negação de seu “adversário”.
Daí, não raro, essa negação mostrar-se
cega e inconsequente, chegando, inclusive, à absurdidade da defesa do fim de
políticas sociais e da volta do regime militar. A irracionalidade se impõe,
cultivada como final flor.
Ora de forma exagerada, ora de
forma mentirosa, os partidários do petismo fizeram muita propaganda sobre
“suas” políticas sociais, vinculando-as a ele. Com o avanço do antipetismo, o
descrédito do petismo repercutiu também sobre as políticas sociais. Foi assim
que a propaganda de afirmação preparou o terreno para a propaganda de negação
das políticas sociais.
É nessa constelação que se
compreende como encontrou acolhida, entre setores subalternos, a justificativa
do antipetismo de que as políticas sociais formam parte decisiva da
irresponsabilidade do petismo que nos trouxe à crise econômica. E que,
portanto, algumas dessas políticas devem ser eliminadas e outras,
enfraquecidas.
Embora as manifestações em
defesa da volta do regime militar ocorram de variadas maneiras, a maioria delas
não ocorre contra a corrupção e a política em geral. Seus alvos mais comuns são
a esquerda em geral e o petismo em particular.
Por ignorância e/ou por
maldade, PT (partido símbolo do petismo) é associado à esquerda - coisa que de
fato ele não é[6].
Desse modo, o antipetismo assanha o secular anti-esquerdismo
brasileiro, alimentando-o e alimentando-se dele.
É neste sentido que,
maiormente, a defesa da volta do regime militar aparece entre nós,
representando uma das muitas facetas do antipetismo. A nosso ver, a popularidade
de Bolsonaro corresponde largamente ao mesmo quadro explicativo.
Dizemos assim, “largamente”,
porque somos cônscios de que a base de apoio de Bolsonaro não depende exclusivamente
do antipetismo. Ancora-se também num conservadorismo mais difuso, de caráter
moralista, religioso e militar. Não obstante, não resta dúvida de que, além
disso, o apoio que recebe é impulsionado pelo anti-esquerdismo e pelo antipetismo.
Basta ver como seus seguidores adoram contrapô-lo ao petismo e à esquerda.
De resto, cabe registrar que
os conservadores - defensores da moral, da família e dos bons costumes, da
religião e do regime militar - compõem parte significava das correntes
anti-esquerdista e antipetista.
Partidarização:
dissenso, consenso e propaganda
Como é sobejamente sabido,
muitas das contrarreformas ora assumidas por Temer foram anunciadas e ensaiadas
por Dilma. Em seu tempo de presidente, considerando a crise econômica, tratou
tudo como se fosse algo inexorável. Ao estilo de Margaret Thatcher ou mesmo de
Fernando Henrique Cardoso, disse não haver saída a não ser a aprovação das “reformas”[7].
Com alguma razão, podem dizer
que, mesmo dentro do PT, houve críticas. Sim. Certo. Todavia, verdade é que,
salvo raras e valorosas exceções, os “murmuradores” findaram por se render às
decisões do governo, endossando-as e adocicando-as, a fim de melhor defendê-las
e defender-se diante da opinião pública.
Essa opção impunha, a esse
grupo, apresentar uma agenda eminentemente antidemocrática, como a neoliberal,
como inelutável, virtuosa, democrática. Verniz, puro verniz.
Quanto a este ponto nada
desimportante, petismo e antipetismo compartem o mesmo modus operandi. Aqui eles confluem, se alimentam mutuamente e
mostram que, apenas na superfície, são contrapostos, um o antípoda do outro.
A ignorância de amplos setores
- de dentro e de fora dos grupos - quanto a essa confluência partidariza em demasia as coisas em
jogo, deixando o fundo de tudo isso indiscutido, indiscutível.
A briga desses grupos, na
superfície, encobre e robustece o consenso existente entre ambos, no fundo.
Quanto mais barulho fazem em torno dos pontos de dissenso, superficial, mais
silêncio fazem em torno dos pontos de consenso, profundo. Nisso reside a
necessidade de espetacularizarem suas diferenças. A bem da verdade, maximizar
os pontos de dissenso e minimizar os pontos de consenso é uma estratégia de
propaganda de ambos os grupos.
A política econômica pró-capital
é a prova mais saliente do consenso existente entre eles. As expressões petismo
e antipetismo, tal como usadas aqui, pretende, dentre outras coisas, denotar essa
partidarização exacerbada da política
brasileira, que coloca, no plano propagandístico-eleitoral, os partidos e suas
figuras em primeiro plano e as macropolíticas, em segundo. E, no plano
substancial, o que mais importa, coloca as macropolíticas em primeiro plano e
os partidos e suas figuras, em segundo.
A luz jogada sobre as disputas
partidárias (que não se restringem aos partidos, como dissemos) dá a aparência
de que elas têm uma importância que, verdadeiramente, não têm. Com isso, deixa
nas sombras o que mais importa. Tal interessa aos grupos aqui em tela e a quem
eles servem, mas não à democracia, não às classes subalternas.
A Carta ao povo brasileiro, de Lula, serve como ilustração de um dos
efeitos dessa partidarização. Embora faça referência ao povo em seu título, ela
era mesmo endereçada às classes dominantes, com o fito de acalmá-las, como
notou Francisco de Oliveira (2007: 267). Depois de divulgada a Carta, o pleito eleitoral seguiu.
Entretanto, pouco ou nada incidiu sobre as políticas a serem adotadas,
largamente partilhadas ambos os grupos.
Aquele dissenso eleitoral,
espetaculaizado, punha na luz os partidos e suas figuras; e, nas sombras, punha
o consenso em torno das políticas a serem efetivadas, fosse quem fosse o
vencedor, viesse do grupo que viesse.
Ainda a este respeito, vale
lembrar que, no calor do processo de impedimento, Dilma disse que manteria a
equipe econômica de Temer (presidente interino, naquele momento), caso
permanecesse na presidência. Seus apoiadores diziam, então, que “apenas Dilma,
presidenta legitimamente eleita, teria condições de levar adiante as ‘reformas’
necessárias para o país”.
Diga-se, para sintetizar, que,
entre essas forças, estão em disputa os cargos, não as políticas, que são
neoliberais e indistintamente abraçadas e colocadas em marcha por ambos os
grupos. Assim, o projeto das classes dominantes tem prevalecido nos dois grupos
e, desse modo, atravessado governos e angariado apoio social.
É uma ilusão, necessária à manutenção
desse estado de coisas, crer que se pode alterar positivamente nossa realidade econômico-política
simplesmente optando por um ou outro grupo, como se um fosse o exato oposto do
outro e o voto e as eleições fossem o caminho, eficaz e seguro, da
transformação social.
Essa é uma ilusão alimentada
pela partidarização da política, pelo dissenso eleitoral-partidário tal como se
dá hoje no Brasil, pela ideia de que se trata da disputa entre direita e
esquerda, da luta de classes entre burguesia e proletariado.
Tal leitura não é apenas
imprecisa. É estreita e perigosa, pois contribui para a manutenção, ampliação e
aprofundamento dos problemas que hoje nos assombram.
Eleitoralização:
uma democracia aquém do mínimo e do reformismo
Ligado à partidarização, outro
grande problema trazido por esse cenário foi a eleitoralização da política e da democracia, confinadas que estão ficando
ao universo estreito e abjeto das eleições, onde voto e partido são
supervalorizados em detrimento de outros meios de mensuração e manifestação da
democracia e da atividade política.
De modo particular, o petismo
contribuiu para isso através de uma concepção formal/procedimental da
democracia, esvaziando-a de seu conteúdo substancial/social.
No momento em que o
impedimento de Dilma se mostrou uma possibilidade real, partidários do petismo repetiam
em sua defesa que ela havia sido “democraticamente eleita”. Pouco importando
para eles se o jogo eleitoral não é assim tão democrático e se a ex-presidente
traiu seus eleitores. Pelo visto, para eles, não é antidemocrático mentir para
ganhar as eleições e trair a confiança dos eleitores.
Ainda sobre este ponto, lembremos
que adeptos do petismo já criticaram Temer argumentando que “apenas Dilma,
presidenta legitimamente eleita, teria condições de levar adiante as ‘reformas’
necessárias para o país”. Não lhes parecia embaraçoso o fato de estas
“reformas” serem antidemocráticas.
Recentemente na Itália, Dilma
disse:
Eu acredito na democracia. O Brasil precisa hoje de
um banho de democracia. E isso, você só tem pelo voto (grifos nossos) (<http://dilma.com.br/na-italia-presidenta-dilma-diz-que-brasil-precisa-de-um-banho-de-democracia/> Acessado em 08/02/2017).
Mesmo manifestando uma visão formal da democracia,
reduzindo-a ao voto, Dilma é definida por Emir Sader, partidário assumido do
petismo, como “a maior líder contemporânea na defesa da democracia no Brasil”
(<http://dilma.com.br/emir-sader-dilma-e-maior-lider-contemporanea-na-defesa-da-democracia-brasileira/>
Acessado em 08/02/2017). Se “a maior líder contemporânea na defesa da
democracia no Brasil” a define assim, de modo tacanho, causa medo pensar em
como os de menor estatura a definem...
Incautos, talvez fôssemos
levados a dizer que se trata da defesa das célebres “regras do jogo”, algo
basilar na definição liberal que Norberto Bobbio (2000: 22; 30-33) faz da
democracia. Não é bem isso. A concepção de democracia que grassa em nosso meio está
aquém mesmo da definição “mínima” definida por Bobbio.
Dentre outras coisas, na
definição “mínima” da democracia, figura a necessidade de que os grupos
políticos que disputam as eleições apresentem alternativas reais aos eleitores,
respeitem as instituições e, através do livre debate, busquem a formação de uma
maioria (BOBBIO: 2000, 22-23; 32). Não é isso o que ocorre no Brasil, onde os
grupos em disputa apresentam dissensos superficiais e consensos profundos, estando
mais próximos do que distantes entre si.
Por outro lado, ao tirar Dilma
da presidência, pelos meios com que tiraram e pelos motivos pelos quais tiraram,
os representantes do antipetismo no Congresso (com a anuência do judiciário)
mostraram que não estão dispostos nem mesmo a respeitar as “regras do jogo”.
Parecendo não ter aprendido
nada do processo que culminou no impedimento de Dilma, o petismo continua
alimentando a crença nas eleições e no poder do voto. No momento, seus adeptos
a levam em frente ao defender o nome de Lula, seja para eleições antecipadas[8] ou para as eleições de 2018.
Alimentam, assim, a crença no rito puro e simples das eleições e na figura de
Lula, seu herói.
Forçoso é dizer que,
doravante, o impedimento de Dilma cumprirá o funesto papel “pedagógico” de
lembrar aos próximos governantes o que pode acontecer a eles caso não queiram
ceder aos caprichos do Congresso, do judiciário, da grande imprensa e das
várias frações da classe dominante.
Neste sentido, o que temos no
Brasil não corresponde sequer à definição formal de democracia formulada por
Bobbio, já considerada “mínima”, “procedimental”, pelo próprio autor. Radica-se
aí nossa opção em tratar isso como eleitoralização da política e da democracia,
apontando que estas estão ficando cada vez mais reduzidas a votos e eleições,
pouco importando que estes tenham cada vez menos importância na formulação de
políticas ou mesmo que sejam desrespeitados.
Diante disso, é mister
concluir que, no campo mais eminentemente político, a democracia que temos está
aquém do “mínimo”; e, no campo mais eminentemente social, está aquém mesmo do
reformismo.
Sendo assim, ainda é possível
falar em democracia?
Estado
de exceção e fascistização
Como se pouco fosse, a disputa
entre petismo e antipetismo têm suscitado outros problemas para a democracia,
repercutindo negativamente sobre sujeitos e setores independentes em relação a
ambos os grupos aqui em tela. Hoje, movimentos como o dos estudantes
secundaristas são tratados como petistas, mesmo sem manter vínculos com o PT.
Lançando mão do secular
anti-esquerdismo brasileiro, nisso o antipetismo foi exitoso. Sua estratégia
consiste em depositar na conta do petismo as lutas por direitos sociais, para, em
razão disso, desqualificá-las, anatematizá-las. Aos que criticam e resistem às
políticas antidemocráticas desse grupo (antipetismo), desqualificam e enquadram,
por maldade ou ignorância, como “petistas”, “comunistas”, “esquerdistas”,
“esquerdopatas”, “doutrinados”...
Já aí, por irreal que seja o
motivo da adjetivação, a negação do direito de protesto e o uso da força contra
os manifestantes parecem legítimos aos olhos de uns tantos, que não são poucos.
De outra banda, também por
maldade e/ou ignorância, os que combatem as políticas antidemocráticas dos
governos petistas são chamados direitistas, fascistas[9]. Percebe-se, por este
prisma, que o perigo da fascistização da
política não vem apenas dos inimigos do petismo. Vem também desse grupo,
ainda que em menor proporção, à medida que trata os críticos como fascistas,
ensejando que o jargão (“fascista”), prescindindo de uma análise séria, seja
usado tanto para desqualificá-los quanto para enquadrá-los.
Vê-se, em ambos os lados, a
tendência de considerar legítima a negação de direitos, justificando-a na
“ilegitimidade” da luta por direitos dirigida contra as políticas adotadas por
um dos grupos ou por ambos. Nisso um grupo legitima a violência do outro, ambos
usando de violência contra os de baixo. Nisso eles estão irmanados. Nisso eles
se precisam.
A democracia, então, é usada
para negar a democracia; o direito, para negar o direito; a liberdade, para
negar a liberdade. É isso o que ocorre neste momento em que, por ignorância ou
maldade, (se) alimentam e con-fundem:
por um lado, antipetismo e anti-esquerdismo; luta por direitos sociais e
petismo; e, por outro lado, luta por direitos sociais e direitismo; luta por
direitos sociais e fascismo.
O resultado disso é que, de
ambos os lados, (se) alimentam e con-fundem
proscrição e fascistização, sendo esta umas das feições que o estado de exceção
vem assumindo entre nós, deslegitimando o dissenso vindo de baixo e ferindo
fundamente a democracia.
Tentando responder à última
grande crise do capital, suas “personificações”[10] são obrigadas a reduzir
política e democracia ao mínimo, ao irrisório. Isto porque o novo padrão de
acumulação é incompatível mesmo com aspectos formais da democracia, mostrando quão
“irreformável e incontrolável” é o sistema[11].
Tal lógica tem arrebentado
como uma onda em diversos quadrantes do globo, onde as políticas de exceção e
xenófobas têm figurado com mais frequência e amplitude. Nos EUA e na Europa, as
políticas anti-imigrantes são exemplos disso. Fronteiras e muros e políticas
segregacionistas de diversos lados.
No Brasil, a aprovação da Lei
antiterrorismo, sob o governo de Dilma é exemplo disso. Acuados pelas manifestações
de junho de 2013 e sob a pressão dos protestos contra a Copa e as Olimpíadas, petismo
e antipetismo, irmanando-se, forjaram um instrumento jurídico-político para
criminalizar movimentos e manifestações sociais que ocorriam e ocorrem por fora
da via formalista da política, isto é, sem ser através do voto, das eleições e
dos partidos.
Ao não encararem manifestações
de ruas contundentes e evitarem a greve geral, durante o mais difícil momento
do processo de impedimento de Dilma e de votação da PEC 55, respectivamente, os
partidários do petismo mostram coerência com essa perspectiva de negar e
combater as lutas de rua, de criminalizar o direito de protesto e de empobrecer
política e democracia em suas formas, conteúdo e alcances.
Outrossim, mostram que se
assumiram mantenedores da ordem e que não mais perseguem a transformação social
através das lutas. Enrijeceram-se. Elitizaram-se. Sem pudor, aliaram-se e
aliam-se aos “golpistas”[12]. Formaram coligações com
eles em milhares de cidades nas últimas eleições municipais (2016) e continuam
fazendo acordos no Congresso. Veja-se o apoio que deram ao Candidato do PMDB à
presidência do senado recentemente.
Conclusão
Por tudo isso, concluímos que
petismo e antipetismo não são solução para atual crise. São parte do mesmo problema
e configuram a miséria política de nossos dias. Procurando ir à raiz da atual
crise, que se encontra no chão do sistema do capital, é preciso ir além de
ambos e recobrar o sentido amplo e forte de política, para além dos partidos e
das vias formais.
Infelizmente, o ensaio de
politização que vimos em junho de 2013 desembocou, pelo menos por enquanto e
maiormente, na partidarização que ora se configura como petismo e antipetismo,
num maniqueísmo tão estreito quanto perigoso.
Sob a condução das classes
dominantes, petismo e antipetismo têm sido chamados para sustentar um ao outro.
E a esquerda e todos aqueles lutam pela emancipação da humanidade colhem todo
ônus dos governos petistas sem terem colhido nem um bônus.
Num momento em que, por um
lado, a lei antiterrorismo, a desmoralização do judiciário e a partidarização
aqui enfocada expressam o recrudescimento da fascistização da política, e, por
outro lado, a aprovação da PEC 55 e a possível aprovação das contrarreformas
trabalhista e da previdência apontam para o recrudescimento daquilo que
Boaventura de Souza Santos chama de “fascismo social”, somente nas lutas
sociais contra o capital é possível romper e superar a miséria política...
Referência
Bibliográfica
BOBBIO,
NORBERTO. O futuro da democracia. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
FROSINI,
Fábio. Maquiavel, o revolucionário.
São Paulo: Ideias & letras, 2016.
Na
Itália, Dilma afirma que Brasil precisa de um banho de democracia.
Disponível em <http://dilma.com.br/na-italia-presidenta-dilma-diz-que-brasil-precisa-de-um-banho-de-democracia/> Acessado em 08/02/2017
MÉSZÁROS,
István. O desafio e o fardo do tempo
histórico: o socialismo no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
OLIVEIRA,
Francisco de. O momento Lenin In OLIVEIRA, Francisco e RIZEK, Cibele Saliba
(orgs.). A era da indeterminação. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
Sader: Dilma é a maior líder contemporânea
na defesa da democracia brasileira. Disponível em <http://dilma.com.br/emir-sader-dilma-e-maior-lider-contemporanea-na-defesa-da-democracia-brasileira/> Acessado em 08/02/2017
[1]
Cientista social, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre (IFAC) -
Campus Cruzeiro do Sul.
[2]
Pensemos naqueles que, mesmo sem ter saído às ruas, apoiaram o impedimento de
Dilma, crendo que assim estariam resolvendo os problemas da corrupção e do
desgoverno.
[3]
Consideremos a recente entrevista que Humberto Costa, ex-líder do governo Dilma
no Senado, deu à revista Veja, ícone do antipetismo. Entre outras coisas, diz
ele que é necessário reconhecer que houve corrupção nos governos petistas. No
entanto, a franqueza de que ele se vale na entrevista só aparece agora, que é
oposição e se esforça para angariar apoio, para o que contaria uma aparente “conversão”.
[4]
Em sua definição do conceito de virtú,
Fábio Frosini dá grande ênfase ao elemento
popular. Fortemente influenciado por Gramsci, diz que “em O príncipe se acha de fato presente uma tensão entre duas acepções
diferentes de ‘virtú’, entendida
respectivamente como qualidade pessoal de um indivíduo excepcional e como
vínculo entre o príncipe e o povo em vista de uma regeneração política”
(FROSINI: 2016, 74).
[5]
Nesta reflexão, optamos por não tratar do papel que a grande imprensa desempenha
neste processo. Não porque seja desimportante. Mas por ser algo já bastante
analisado.
[6]
Concisamente, podemos definir a esquerda pela luta contra o capitalismo, no
sentido de superá-lo. Mesmo que suas estratégias de superação do capitalismo
sejam equivocadas, o que a define é que ela se coloca esse objetivo de
superação. Certa feita, Lula disse que o “PT nunca foi esquerda. Foi sempre um
partido de centro-esquerda”. Como sabemos, a centro-esquerda é fronteira
avançada da direita. Apenas não se assume como direita, por questões de
conveniência. Pensemos na “terceira via”, que dizia não ser nem
esquerda/socialista nem direita/capitalista. Entretanto, foi exatamente ela uma
das principais responsáveis pela implementação das políticas neoliberais que
acabam com direitos sociais e radicalizam os efeitos antidemocráticos do
capitalismo. Recentemente, Fernando Haddad afirmou que o “PT nunca foi um
partido anticapitalista”. Ora, os governos que o PT fez e faz corroboram estas
opiniões de Lula e Haddad. Não há dúvida. Nem na prática nem na teoria o PT é
esquerda. Quando, por vezes, alguns de seus líderes o tratam publicamente como
esquerda é porque o partido está em apuros, precisando do apoio das forças
verdadeiramente de esquerda. De resto, cabe dizer que a ilusão de que o PT é de
esquerda alimenta o espírito aguerrido de sua militância. Para os líderes,
pragmáticos, essa é uma ilusão que serve para a militância, não para eles. Os adversários
do PT (e do petismo) também o tratam como esquerda. As razões disso, sabemos, é
ignorância ou maldade. Nada mais.
[7]
Contrarreformas é o nome certo.
[8]
Há uma forte campanha para eleições antecipadas. Veja-se a defesa que fazem em
defesa de “Diretas já”, querendo fazer coincidir farsa e tragédia num mesmo
processo. Neste exato momento, o petismo exulta com o nome de Lula aparecendo
em primeiro lugar numa pesquisa de intenções de votos para presidente.
[9]
Para ilustrar, um relato pessoal. No Acre, onde moro, já fui chamado de petista
por criticar as contrarreformas de Temer; e de direitista e fascista, por
criticar contrarreformas dos governos petistas. As críticas que me foram
dirigidas por adeptos do petismo, às vezes, eram carregadas de desdém; e, às
vezes, de uma aspereza desproporcional. Vez por outra, vieram acompanhadas de
tentativas de intimidação.
[10]
As que
se postam no campo mais eminentemente econômico como as que se postam no campo
mais eminentemente político.
[11]
Como atesta Mészáros, “porque o antagonismo é estrutural, o sistema do capital é - e deve sempre permanecer - irreformável e incontrolável. O fracasso histórico da socialdemocracia reformista
fornece um testemunho eloquente da irreformalidade do sistema; e a crise
estrutural cada vez mais profunda, com seus perigos para a sobrevivência da
humanidade, coloca em acentuado relevo sua incontrolabilidade” (MÉSZÁROS: 2007,
58-59) (destaques do autor).
[12]
Antipetistas argumentam que a tese do golpe é um equívoco, que não se pode
fazer uso dessa expressão sem cair numa defesa inaceitável da ex-presidente e
seus consortes. De nossa parte, uma coisa não equivale à outra. Dilma não caiu,
necessariamente, por ter cometido crime. Caiu por não contar com força política
suficiente para blindá-la. Enfraqueceu-se ao trair seus eleitores e ignorar os
clamores das ruas, quedando, por fim, refém do Congresso e do STF, os
inconfiáveis. Tivesse força política, não teria caído. Sequer teria sido
denunciada. Por outro lado, o grupo político que moveu o processo do
impedimento não o fez por zelo para a com a lei ou por amor para com a justiça.
Seu objetivo era tirá-la da presidência, a fim de colocar outro em seu lugar.
Agiram segundo interesse próprio. Por isso foi golpe. Em suma, a questão é mais
política que jurídica, pouco importando culpa e inocência. Em todo o processo,
o direito (o meio) não foi senão um instrumento a serviço do poder político (o
princípio e fim).
2 comentários:
Agora vejo que as polarizações de minha infância, rosa ou azul, bola ou boneca, feio ou bonito, gordo ou magro, eram no fim treinamento para esta difícil decisão que tenho que tomar agora na vida adulta, ou nem tão adulta assim. Sera que sou petista ou antipetista?
E o senhor é o que caríssimo professor?
Eu digo, é sempre pertinente em seus apontamentos (ou quase sempre, pra não polarizar).
Obrigado pelo comentário. Não sou nem petista nem antipetista. Procuro estar ao lado dos explorados e oprimidos e esses dois grupos estão contra eles.
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