Israel Souza[1]
Assegurar a aparência de
legitimidade ao golpe dado em Dilma/PT, com o fito de convencer que a ordem
constitucional fora mantida e evitar distúrbios sociais. Efetivar, célere e
eficazmente, contrarreformas há tempos acalentadas por vários setores da
burguesia nacional e internacional. Eis a dupla missão que alçou Temer (PMDB) à
presidência do Brasil e que hoje pesa sobre sua cabeça como uma espada de
Dâmocles, condicionando sua permanência no cargo.
A primeira condição foi
conseguida com relativo êxito. A esta altura, não conta mais. O golpe já
completou seu primeiro aniversário. Ainda que bradando em contrário, muitos já
aceitaram a irreversibilidade do fato. Entre estes está o próprio PT, que,
mesmo denunciando o golpe, faz isso mais com o intuito de desgastar o
adversário e alavancar a candidatura de Lula para as eleições de 2018 do que
para reconduzir Dilma ao cargo usurpado.
É o ponto segundo que, no
momento, embaraça Temer, ameaçando-lhe seriamente a permanência no cargo de
presidente. Não bastasse a impopularidade sua e de suas medidas, agora enfrenta
outras, que, segundo consideramos, trazem consigo a possibilidade de que a
história se repita entre nós, como farsa e tragédia a um só tempo.
Financiada pela Confederação
Nacional da Indústria (CNI), pesquisa recentemente realizada pelo Ibope aponta
que Temer tem 90% de rejeição. Segundo a mesma pesquisa, o número daqueles que
consideram o governo como ruim ou péssimo subiu de 46% (em dezembro/2016) para
55% (em março/2017). O número daqueles que não confiam em Temer chega a
consideráveis 79% (<http://www.correiodobrasil.com.br/pesquisa-temer-rejeicao-eleitores/>
Acessado em 02/04/17). 41% dos entrevistados o consideraram pior que Dilma (<https://www.cartacapital.com.br/politica/temer-e-pior-que-dilma-para-41-mostra-pesquisa>
Acessado em 02/04/17).
Como era de esperar pela
política econômica adotada, a economia vai mal. A taxa de desemprego chegou a
13,5 milhões, atingindo o maior patamar desde 2012 (<http://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-132-no-trimestre-terminado-em-fevereiro.ghtml>
Acessado
em 02/04/17). Para ser honesto, é necessário que se diga que esse é um feito
que Temer comparte com governos anteriores ao seu, que adotaram o mesmo
receituário neoliberal. Sob Dilma, os números da economia já não eram
alentadores. Ela pagou alto preço por isso. Agora é a vez de seu sucessor.
É
assim, através do desgaste político, que Temer vai pagando o preço por assumir,
de forma desabrida, uma agenda pró-capital, algo mais próximo do
ideário-prática do PSDB do que do PMDB[2].
Convém salientar, no
entanto, que, desde o início, Temer manifestou que não tinha pretensões
eleitorais para 2018. Talvez intuindo, em alguma medida, as dificuldades que
haveria de enfrentar. 2 nos de mandato. Era o máximo a que ele poderia aspirar.
Diferentemente
do que uns tantos supunham, não havia o que comemorar com isso. Esta opção (ou
condição)[3] o deixava livre, sem
hesitações diante da opinião pública em geral e dos de baixo em particular. Ou
seja, desde o princípio, ele estava livre de algumas amarras que prendiam o
governo Dilma, mesmo levando adiante e de modo mais agressivo ainda muitas das
contrarreformas que este propunha.
A demonização do governo
anterior, responsabilizado por todos os males que acometiam o país, reforçava a
margem de liberdade de que dispunha. Entretanto, politicamente, Temer
mostrou-se tão inábil quanto Dilma. Embora mais polida, sua oratória é tão - ou
mais - desastrosa quanto a de sua antecessora. Vide, dentre outros, seu
discurso em homenagem ao dia da mulher.
Numa coisa, porém, ele e seu
grupo foram mais espertos que os petistas, que, mesmo sabendo que o grosso de
seu apoio vinha das massas, optaram por encampar medidas antipopulares. O
resultado foi o que vimos: desagradaram sua base sem agradar seus inimigos, a
quem servilmente cortejavam.
De seu lado, Temer sabe
muito bem qual é sua base. Sabe muito bem a quem agradar. Ao limitar os gastos
sociais e liberar os gastos com juros, a “PEC do teto de gastos” deu-lhe fôlego
ante a fração financeira da burguesia. Além do enfraquecimento dos sindicatos,
a aprovação de terceirização irrestrita e tudo o que ela implica na perda de
direitos por parte do trabalhador deu-lhe gás ante as frações comercial e
industrial. A turma do agronegócio não foi esquecida. O governo desferiu,
recentemente, forte ataque à FUNAI e, através de Serraglio (PMDB)[4], procura ainda limitar
homologações de Terras Indígenas e a criação de áreas de conservação.
Ora, sua impopularidade se
deve, largamente, a isso. É que para agradar seus apoiadores, ele tem que necessariamente
desagradar às massas, aos trabalhadores. É atacando a estes que ele defende os
seus. Não há meio termo. Ele sabe que não chegou à presidência para negociar ou
se sensibilizar com demandas populares e trabalhistas. O tempo de que dispõe e
a impopularidade e a ilegitimidade de que goza impõem a ele um ritmo ainda mais
rápido e uma forma ainda mais truculenta, tanto na condução das matérias quanto
no trato com os adversários.
Sua condição é tal que, se
estagnar ou recuar em sua missão acima aludida, se desgasta; e, se avançar, também.
Entretanto, uma facção do PMDB percebeu que, do jeito que as coisas andam, não
apenas Temer há de se desgastar neste turbulento processo, que isso respingaria
em todo o partido, criando obstáculos seríssimos para os que guardam pretensões
nas eleições de 2018.
Para os que compõem esta
facção, os interesses do partido não podem se restringir a tão curto e pouco
promissor mandato. Renan Calheiros (PMDB) expressou isso com muita clareza. Sua
frase “o PMDB não é o governo”, que circulou largamente pelas redes sociais num
vídeo seu, patenteia esta compreensão e manifesta sua insatisfação com o rumo
que as coisas estão tomando.
Ao que parece, o grupo
político liderado pelo senador alagoano prefere sacrificar Temer, e não o
partido. Convém frisar isso: a insatisfação não é contra as medidas de Temer e
em favor dos trabalhadores. Trata-se simplesmente de uma manifestação em favor
de setores do partido que não se acham contemplados nos atuais planos do
governo.
Tal pode criar embaraços
ainda maiores para Temer, já que sua permanência no cargo de presidente está
diretamente relacionada à sua capacidade de efetivar, eficaz e celeremente, as
contrarreformas ansiadas pelas classes dominantes. Isso agora está em xeque. E
isso é coisa inaceitável para alguém com o ego e a vaidade de Temer.
Ás dificuldades vindas das
ruas, somam-se agora as dificuldade vindas do Congresso, instituição fundamental
para a implementação das medidas antipopulares e anti-trabalhistas que pretende
levar adiante.
Nesse cenário, não podia ser
diferente, pois, quanto mais exitoso for em servir seus apoiadores, mais insuflará
as massas contra si e levantará insatisfação dos que, no PMDB, se veem
prejudicados por sua condução. Dessa forma, contribui, ele mesmo, diretamente
para abreviar o já breve mandato que ganhara por usurpação. Particularmente,
não desconsideramos a possibilidade de que, por força das atuais
circunstâncias, e não por conta de sua estatura politica abaixo da medíocre,
Temer prove, como Dilma, o amargo sabor do que é ser um presidente descartável.
Por força da mesma lógica, a
oposição vem crescendo à medida que ele vai se apequenando. De acordo com
pesquisa de intenções de voto para eleições presidenciais 2018, realizada pelo
Instituto MDA, Lula (PT) lidera nos primeiro e segundo turnos (<http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/02/15/pesquisa-cnt-mostra-lula-liderando-intencoes-de-voto-para-2018-no-1o-e-no-2o-turnos/>
Acessado em 02/04/17). A liderança de Lula é sentida, sobretudo, no Nordeste,
reduto eleitoral de Renan Calheiros.
Na imprensa, já circulam
inúmeras matérias assegurando que Renan não apenas rompeu com Temer, mas que
ensaia um alinhamento a Lula. Sem demora, já vários sites e blogs devotados à
causa do petismo insinuam possível aliança entre Renan e Lula, sugerindo a seu
modo a aliança PT-PMDB como segura saída para a atual crise.
Tal leitura, parece-nos, é
no mínimo preocupante. Por um lado, reforça a complicada crença de que a saída
é por “cima”, pela serena e pacífica via eleitoral. Assim sendo, as forças
oposicionistas encabeçadas pelo PT não resistirão à tentação de alimentar as
manifestações de rua que ora vão tomando conta do país, orientando-as segundo seus
interesses eleitorais, como tantas e tantas vezes fizeram. Por outro, alimenta
o messianismo em torno de Lula, um messias que, como vimos, costuma trazer entre
seus seguidores o próprio Judas.
Há que se considerar
seriamente esta possibilidade. Até agora, justamente ou injustamente, não
conseguiram prender Lula ou torná-lo inelegível. As perversas medidas
encampadas por Temer que fizeram as conquistas sociais retrocederem bem mais de
um século, sua falta de carisma e habilidade política, no atual cenário,
realçam sobremaneira a grandeza de Lula. Inúmeras são as pesquisas que o
comprovam.
Talvez os que estão
eufóricos com o cisma na base do governo e com a possível aliança
Lula/PT-Renan/PMDB não saibam, mas, seguindo este caminho, estarão trabalhando
para que a história se repita entre nós, como farsa e tragédia, cabendo à primeira
encobrir e alimentar a segunda.
[1] Cientista Social, Mestre em Desenvolvimento
Regional, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre-Campus Cruzeiro do Sul. E-mail: israelpolitica@gmail.com
[2]
Nas atuais circunstâncias, é bastante cômodo para o PSDB que outro desempenhe
esse papel e assuma todo o desgaste político que isso implica. Depois, poderá
lançar candidato próprio e fingir que não tem relação nenhuma com as
contrarreformas implementadas por outro governo. Por isso, na ação que corre no
TSE que pede cassação da chapa Dilma/PT-Temer/PMDB, o PSDB tentou salvar Temer
da perda do mandato (https://boainformacao.com.br/2017/04/por-que-o-psdb-quer-salvar-michel-temer-no-tse-99/).
[3]
No calor do processo de impedimento de Dilma, uma pesquisa do Instituto de
Pesquisa Dizgoo, realizada através do portal IG, apontava que 83% dos
entrevistados não queria Temer na presidência.
[4]
Ministro da Justiça no governo Temer e um dos mais destacados representantes da
bancada ruralista, braço político do agronegócio no Congresso brasileiro.
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