quarta-feira, 26 de junho de 2013

“Coragem, governador. Até o Papa renunciou”



Israel Souza[1]

Embora tenha começado faz poucos dias, o levante popular a que ora assistimos sacudiu fortemente o Brasil. E já é possível contar algumas vitórias graúdas.
            Em várias cidades, houve diminuição da passagem do transporte coletivo (ônibus, metrôs etc.), o que representou inegável sinal de força da parte do movimento.
            Em São Paulo, os manifestantes combateram com a mesma coragem e ousadia PT e PSDB, denunciando assim que as diferenças entre os dois partidos são mais aparentes que reais.
Foi impagável ver Alckmin e Haddad, um ao lado do outro, anunciarem a redução da tarifa do transporte coletivo, coisa que dias antes diziam “inegociável”. O constrangimento de ambos era indisfarçável, tragicômico.
            Outra vitória do movimento das ruas foram as propostas de reformas vindas do Palácio do Planalto. Dilma chegou a anunciar 5 pactos. Some-se a isso a queda da PEC-37, aquela que, por tirar do Ministério Público o poder de investigação, favoreceria o PT e outros partidos envolvidos em escândalos e corrupção.
Não por coincidência, a referida PEC ganhou vigor após o julgamento do mensalão, que, se foi levado a efeito pelo STF, foi pela inoperância do Congresso. Todavia, acuado pelo surto salutar de democracia direta, o parlamento brasileiro resolveu mostrar serviço.     
            Em nossa terrinha também há o que comemorar. O levante realizado em outras cidades brasileiras inspirou o “Dia do basta” que reuniu milhares de pessoas. Há quem fale em 10.000 pessoas. Outros falam em 12.000, em 15.000, em 20.000. Há mesmo quem fale até em 50.000 mil pessoas.
            Deixando a controvérsia numérica de lado, uma coisa importa destacar: a parcial mas inquestionável vitória popular.
Com toda estrutura nas mãos, com todas as mentiras e ameaças, o governo só conseguiu reunir algo em torno de 2.000 mil pessoas no ato em solidariedade a Tião Viana.
            Mesmo que o número de manifestantes tem sido apenas 10.000 no Dia do basta, o governo perdeu de lavada. Foi uma humilhação pública para ele. Sobretudo, se lembrarmos que, muito provavelmente por ordens palacianas, vários ônibus pararam de circular momentos antes do manifesto.
Tal prejudicou o deslocamento das pessoas simples, que moram distante do centro de Rio Branco (de onde partiu a marcha de protesto) e têm pouca condição. Sem isso, o número dos que foram às ruas seria bem maior.
            Motivo de alegria é também saber que as redes sociais foram capazes de romper o bloqueio que a imprensa governista impõe por aqui. Um panfleto governista, que alguns tratam por jornal, trazia em matéria de capa que “xenofobia, homofobia e violência” dariam o tom do Dia do basta. Entretanto, nem mesmo matérias como essa, plantadas com o intuito de aterrorizar a população, foram capazes de esvaziar a manifestação popular.
            Coisas como as acima citadas atestam que não devemos subestimar o governo, jamais. Quando pensamos que ele desceu até onde podia, ele mostra ser sempre capaz de mais baixezas.   
            Eram diversos e até conflitivos os motivos que levaram os populares às ruas no sábado último. Algumas coisas, porém, uniam a todos ali. De um lado, o apoio à Operação G-7, à Polícia Federal e às desembargadoras Denise Bonfim e Maria Cezarinete. De outro, o rechaço à corrupção, ao PT, ao governo e, nomeadamente, aos irmãos Viana e a Aníbal Diniz, o senador sem voto e machista.
            Em razão disso, é possível dizer que a crítica direta ao governo e sua relação com a corrupção foi a tônica principal do manifesto em Rio Branco. Foi por isso que, embora se dizendo a favor da manifestação popular, o governador fez chegar a se séquito de cargos comissionados a “orientação” para não participarem do evento.
            Tudo isso põe a nu a distância entre o governo local e a população. O governo promove manifestação contra a Operação G-7, contra a PF e as desembargadoras Denise Bonfim e Maria Cezarinete. O povo, por sua vez, se manifesta em apoio à Operação, à PF e às desembargadoras. Como se vê, governo e povo caminham em direções opostas.
            Há algo curioso aqui. Querendo disfarçar o caráter autoritário dos governos da FPA, Tião Viana resolveu empregar a palavra povo em quase tudo. Seu governo chama-se “Governo do Povo”. Os programas também assim foram batizados: “Ruas do Povo”, “Cidade do Povo”. Parece até obsessão, vontade desesperada e cínica de parecer ser o que não é.
            Nunca se falou tanto em povo por estas paragens. E nunca este foi tão ignorado. A vontade popular manifesta no referendo sobre a volta da hora oficial do Acre continua sendo sistematicamente sabotada.
Olhando por ângulo crítico as coisas, até parece que Tião Viana resolveu usar largamente a palavra povo no seu governo para ter sempre presente a quem desrespeitar, para ter sempre presente em quem pisar: o povo.
            Mas o que vai fazer ele agora que o povo se agigantou e não cabe mais sob suas botas de novo coronel? O que vai fazer gora que o povo acordou e grita nas ruas contra seu governo? O que vai fazer agora que o povo parece ter entendido que a democracia só terá chance no Acre contra a vontade do atual governo?
Muito provavelmente Tião Viana siga fazendo trapalhadas, esbanjando autoritarismo e coisas assim. Mas deixo aqui a dica que vi num dos muitos recados criativos presentes no Dia do basta: “Coragem, governador. Até o Papa renunciou”.


[1] Cientista Social, com habilitação em Ciência Política e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO).

2 comentários:

Mirza Costa disse...

Na tarde de ontem, manifestantes do movimento dia do basta se reuniram em frente ao Palácio. Alguns atores da militância da juventude de partidos políticos e a imprensa comprada por lá estavam, para participar e registrar o manifesto pacífico. No entanto, um grupo insurgente, pequeno, de aproximadamente quinze pessoas, ficou se perguntando porque o trajeto da manifestação parecia estar pré-definido, e, porque todos sairíam "escoltados" pelo poder coercitivo do Estado. Este grupo, se deslocou até a ponte metálica, fechando-a. Outros participantes aderiram e fecharam a outra ponte. Durou coisa de uma hora. A próxima parada foi o terminal urbano, por trajetos que não estavam manipulados ou arbitrariamente escolhidos, fez-se a manifestação. Ninguém passava na Av. Ceará, naquele ponto (Terminal Urbano). Isso deve ter durado em torno de pouco mais de duas horas. Esse manifesto não foi filmado, gravado ou noticiado pela imprensa, a não ser que rapidamente. Mas certamente foi gravado e filmado pelos policiais à paisana e os olheiros do Governo. As matérias jornalísticas têm sido da manifestação que envolve como líder um tal sujeito, novo no cenário dos movimentos de juventude, uma espécie de cara nova. E, por isso, as perguntas eclodem: essa cara nova vai cair na REDE (Marina Silva)? Porque, tão insistentemente, tem que existir um líder, para falar ou representar aqueles que não querem ser representados? Para representar um movimento caracterizado como movimento popular? O povo se representa, não?

Andreson disse...

Infelizmente estamos num "Estado partidário", o que se esperar do midiático do poder, cara Mirza,isso corrobora que interesses de diferentes naturezas circundam o cenário politico atual, o desenrolar dos dos fatos vão aclarar mais a frente essas questões ainda nebulosas.