As
escolas de samba Paraíso do Tuiuti, Beija-Flor e Mangueira fizeram história e
marcaram indelevelmente o carnaval de 2018. A primeira abordou as mais variadas
formas que a escravidão assumiu ao longo da história brasileira. Mostrando que
as classes dominantes estão em geral ligadas ao Estado e ao governo, mas não
são idênticas a eles, da escravidão dos negros à reforma trabalhista, a Paraíso
do Tuiuti denunciou, acida e poeticamente, a elite brasileira e Temer, o
“Vampirão Neoliberalista”. Aquela imagem ficará na minha retina por vários
anos...
A Beija-Flor centrou fogo
nas peripécias de Sérgio Cabral, ex-governador do estado do Rio de Janeiro,
responsável por uma crise monumental e hoje preso, condenado por corrupção. Por
sua vez, a Mangueira voltou sua artilharia contra o prefeito da cidade do Rio
de Janeiro, Marcelo Crivella. Justificando-se na crise por que passam as
finanças da cidade, mas incontendo seu preconceito religioso contra o carnaval,
este fez graúdos cortes nos repasses a serem destinados à festa popular.
Notícias falam de 50% de corte nos repasses.
Ao trazerem a crítica
social para a avenida, essas escolas de samba mostraram que política se faz dos
mais diversos modos e nos mais variados tempos e lugares. Nem a imprensa
conservadora pôde contornar o fato. E assim o clamor dos “condenados desta
terra” subiu, chegando mesmo aos céus da indiferença.
Isso foi, a um só tempo,
um deleite e um delito. Um deleite para os de baixo que esperavam suas
angústias serem expressas e suas bandeiras, levantadas, sobretudo, num palco em
que se deita tanta luz. Num momento em que rareia o pão, o “circo” ganha ainda
mais importância. Desta vez, porém, o espetáculo que este apresentou não agradou
os de cima. Por isso, para estes e seus consortes, isso foi um delito.
Coisas assim, tão
distintas, não deveriam se misturar, dizem. O que estes manifestam dessa forma
é, conscientemente ou não, uma tentativa de interditar e conformar a política e
algo que faz parte essencial dela: o dissenso. Procuram reduzir a política e o
dissenso à sua dimensão mais pobre, formal, domesticável, a fim de evitar ações
constrangedoras e perigosas. E ali, na avenida, o dissenso apareceu, forte,
vibrante, encantador, livre, inesperado. Levou medo aos de cima.
É a essa tática de
interdição e conformação da política e do dissenso que chamamos de política da
antipolítica. A fim de evitar equívoco, importa dizer que a política da
antipolítica não é a negação pura e simples da política. É, antes de tudo, a
afirmação de um tipo de política (a que convém aos de cima) em detrimento de
outras (as que não convêm aos de cima, mas convêm aos de baixo). Eis a razão de
falarmos de interdição e conformação.
Olhando por este prisma, o
caráter autoritário dessa tática é inegável. Entretanto, nessa quadra histórica
de crise em que são maculados grandes partidos e figurões, ela tem sido
utilizada e sustentada, nos mais variados níveis, por figuras que já mostram
seus interesses nas eleições deste ano. Alguns exemplos para ilustrar.
Apoiado por setores do
financismo e do empresariado, Henrique Meireles (atual ministro da fazenda) se
apresenta como alguém que representa a suposta virtude do mercado contra os
vícios do Estado e da política. Há alguns dias, em propaganda partidária, disse
que é preciso não ceder à tentação “populista” (mote com o qual desqualificam e
desprezam políticas sociais voltadas aos de baixo) e que é necessário continuar
com as reformas (mote com o qual defendem e sacralizam a reorientação das
políticas unicamente para favorecimento dos de cima), por mais amargas estas
que sejam.
Do mesmo modo como os de João
Doria (prefeito de São Paulo), o vocabulário e o perfil gerencial-mercadológico
de Meireles servem para desqualificar certo tipo de política e afirmar outro.
Interdição e conformação.
Com poucas variações,
Luciano Huck segue o mesmo estilo. A mais, ele traz a figura de bom marido e
pai de família, do jovem apresentador carismático que ajuda pessoas sem muitas
condições a reformar suas casas e carros. É um sujeito que se apresenta como
alguém de “fora da política” que, por força de seus valores e visão de mundo,
negaria a política tal como ela se encontra (degenerada em corrupção) e daria a
ela outra forma (com virtudes, sem conflitos, sem corrupção).
Bolsonaro é outro a usar
desta tática. Apresentando-se como homem honesto e de pulso firme, o moralismo
é o ponto central de sua propaganda. Mesmo estando há quase três décadas na
função de parlamentar, agora se coloca como alguém que nada tem com a política
do jeito como ela está e que, com seus valores morais, há de negá-la e dar a
ela outra forma.
A política da
antipolítica também se faz presente em terras acreanas. Nesses dias, Rio Branco
foi duramente castigada por uma forte chuva. Em poucas horas, choveu 277,4
milímetros, quase o esperado para um mês (280 milímetros). Inúmeros pontos da
capital ficaram alagados.
As críticas a Marcus
Alexandre, prefeito da cidade e pré-candidato a governador do estado do Acre
pelo PT, não se fizeram esperar. Seus defensores tiveram que reagir. Como pode,
aproveitarem da dor dos outros para fazer politicagem?, argumentavam em forma
de pergunta.
Obviamente que a culpa
pela drenagem precária não pode ser atribuída, sem mais nem menos, ao atual
prefeito. Mas as críticas têm sua razão de ser. Afinal, já faz quase duas
décadas seu grupo político dirige o Estado e fez inúmeros empréstimos para -
dizem - levar estruturas aonde falta estrutura e para reestruturar o que o tempo
e o desenvolvimento tornaram inadequado. No mesmo sentido, vale frisar que já
conta mais de uma década, ainda sob o governo Binho, que disseram que iam fazer
do Acre o “melhor lugar para se viver na Amazônia”.
Ora, o tempo que este
grupo já está à frente do governo e da prefeitura, os empréstimos que fez e o
que prometeu mais que justificam as críticas. É certo que há, por parte de
setores da oposição, o claro objetivo eleitoreiro - como há, igualmente,
naquelas fotos para que o prefeito fez pose ajudando
os atingidos pela chuva. Daí a tratar toda crítica como “politicagem” é, no
mínimo, um despropósito.
Inegavelmente, há aí a
tentativa de interdição e conformação da política e do dissenso. Como nos casos
discutidos acima, neste caso específico há também um misto de moralismo e
personalismo. Explícito, o autoritarismo é corolário mais que necessário disso
tudo. Podem até conceber que as massas façam política. Mas não como
protagonistas. Não quando e como querem. Apenas nos termos que eles - os de
cima, os que se julgam seus senhores - possam referendar.
Nesse momento de crise e de
apatia, o desserviço político desse tipo de comportamento é gigantesco. Por
isso, impõe-se continuar cantando e fazendo valer no dia-a-dia, nos mais
diversos tempos e lugares, das mais variadas formas, o samba enredo: “Não sou
escravo de nenhum senhor...”
NÃO ESQUECER DE TRATAR DE
MARINA NESSES TEXTO, FAZENDO REFERÊNCIA A SUA RELAÇÃO COM O AGORA, GRUPO
POLITICO DE HULK, E A SEU APELO A PACIFICAR/UNIR O PAÍS.
[1]
Cientista político, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre/Campus
Cruzeiro do Sul, onde coordena os projetos de pesquisa Trabalho, Território e Política na Amazônia e Miséria Política no Brasil. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT: 2014) e Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa
fascinante, a tragédia facínora (no prelo). E-mail:
israelpolitica@gmail.com
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