domingo, 1 de abril de 2018

Márcio Bittar e o parasitismo político no Acre


Israel Souza[1]
            Faz uns dias, circula em grupos de Whatsapp um áudio de Márcio Bittar. Seu conteúdo é tão interessante que findou por ganhar as páginas dos jornais locais.
            No geral, a divulgação e as análises dedicadas ao áudio enfocaram o comentário sobre Gladson Cameli. Diz “Gladson não é nem de perto o candidato que eu gostaria de ter”. De nossa parte, consideramos compreensível, mas um tanto forçada a tentativa de criar abalo na relação de ambos somente com base nesse comentário.   
            A nosso ver, as partes mais eloquentes e contundentes do áudio dizem respeito ao próprio Márcio Bittar. São as partes em que ele se refere a Temer e às contrarreformas que ele vem defendendo e efetivando: a trabalhista e a previdenciária. Embora reconheça Temer como “todo enrolado”, diz que as contrarreformas que ele vem implementando são importantes para o Brasil e que está torcendo por elas.
De modo simples. O homem do áudio, futuro candidato ao Senado pela oposição no Acre, coloca-se como partidário de Temer e defensor de suas contrarreformas. E assume tal posicionamento com uma franqueza e um entusiasmo dignos de nota.
Por isso, o áudio aqui referido pode ser considerado como uma espécie de apresentação e de declaração de intenções. Por ele, podemos ter uma ideia do que esperar de um possível futuro senador Márcio Bittar.       
No áudio, Bittar afirma que “a reforma trabalhista foi fundamental, um marco no Brasil”, “acabou com a legislação fascista”. Em suma, Temer, o “todo enrolado”, teria, segundo ele, “modernizado as leis trabalhistas”.
Que ninguém se engane com tais palavras. Bittar não manifesta desprezo pela antiga legislação trabalhista por ela ser “fascista” (como diz). E, sim, por ela conceder direitos e garantias ao trabalhador. O problema seria, então, não seu caráter supostamente fascista, mas sua dimensão popular, social.
Por isso, é que ele chama de “modernização das leis trabalhistas” o ato de desamparar juridicamente os trabalhadores e desequilibrar, grandemente, em favor dos patrões as relações trabalhistas.
Com efeito, o que ele chama de “modernização” colocou o trabalhador brasileiro numa condição de semiescravidão. Da noite para o dia, trabalhadores tiveram seus salários reduzidos a menos da metade. Demissão em massa ocorrendo em diversas latitudes do país. Trabalhadores que, ao recorrerem à justiça do trabalho, perderam causas e - pior! - tiveram que arcar com os custos do processo.
Portanto, do ponto de vista dos trabalhadores, não há progresso nessa “modernização”, e sim retrocesso. E, se Bittar considera tudo isso positivo, é porque assume, como seus, o ponto de vista e os interesses dos patrões.     
Ainda no áudio, Bittar diz estar torcendo pela reforma da previdência. Neste ponto, fala, com alguma razão, de uns privilegiados que ganham muito e se aposentam cedo. Entretanto, diga-se de passagem, que nem Temer nem o Congresso mostra disposição para enfrentar os verdadeiros privilegiados. No geral, esses são usados discursivamente apenas para inflamar a população e arrancar dela a aquiescência quanto à reforma.
Ora, como é consabido, a CPI do Senado já mostrou que o alegado déficit da previdência é uma farsa e que a reforma, fundamentalmente, visa a 1) liberar ainda mais o Estado de compromissos sociais com os de baixo; 2) fazer com que uns trabalhadores sejam obrigados a recorrer aos bancos a fim de alimentá-los com planos de previdência privada e que 3) outros trabalhadores morram de trabalhar, sem nenhuma chance de aproveitar a aposentadoria com qual contribuíram por toda uma vida.
No intuito de dar sustentação a seu posicionamento a respeito da reforma da previdência, Bittar alega ter 54 anos, que não tem aposentadoria nem pensão e que não está pensando em parar de trabalhar.
Por vezes, achei essa parte bastante engraçada. Por vezes, achei despropositada. Ora, o que sabemos do “trabalho” de Bittar é que, eleição após eleição, ele chega ao Acre para disputar cargos eletivos. Depois some. Então, temos notícias de que ele está atuando em outro estado, em cargos de confiança.
Como professor (uma das categorias criticadas no áudio), lido diariamente com centenas de alunos. Dias há em que saio de casa às 6 da manhã e só volto às 6 da tarde. Preparo aulas e provas e trabalhos aos sábados, domingos e feriados. Como pesquisador, não raro, meu tempo de trabalho se confunde como meu tempo de descanso. Nesse ritmo, o vigor e a saúde se desgastam com relativa rapidez. Todavia, sou capaz de afirmar que, com um “trabalho” igual ao do Bittar, provavelmente eu chegasse aos 100 anos dançando lambada e jogando capoeira.
Para ser ainda mais claro. O que sabemos do trabalho de Bittar é que ele disputa eleições. E que, no geral, vem ao estado, de tempos em tempos, basicamente para isso. Disputar eleições.
Quando por aqui está, nesse “trabalho”, sempre encontra tempo para escantear correligionários, forjando golpes dentro dos mais diversos partidos por onde passa. Sintomáticas a esse respeito são suas relações com Bocalom e Major Rocha. Não é por acaso que Bittar troca de partido como quem troca de roupa. 
Isso mostra que, mais que um programa partidário, ele tem sempre em mente um programa pessoal. A essa altura, fica claro que sua afinidade com Temer não se restringe ao apoio que dão às reformas que atacam os trabalhadores e favorecem os patrões. Ambos, Temer e Bittar, também gostam de golpear seus correligionários.
Termino fazendo um desafio a Bittar. Se ele está realmente certo de suas posições, que ele, com a mesma franqueza do áudio, as assuma em sua campanha, em suas propagandas eleitorais. Apoiar um presidente ilegítimo e impopular diz muito sobre Bittar. Apoiar um candidato ao senado como Bittar diz muito sobre a oposição.
No mais, fica aqui registrado todo meu respeito, solidariedade e apoio aos trabalhadores. Igualmente fica aqui todo meu desprezo pelos parasitas políticos. Aos inimigos do povo, guerra sem trégua.


[1] Cientista político, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul, onde coordena os projetos de pesquisa Trabalho, Território e Política na Amazônia e Miséria Política no Brasil. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT: 2014) e Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédia facínora (no prelo). E-mail: israelpolitica@gmail.com

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